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Pobre não poderia ser de Direita?

A ideia de que “pobre não poderia ser de direita” surge de uma percepção comum de que políticas de direita, especialmente em termos econômicos, tendem a favorecer o livre mercado, a redução do papel do Estado, menos regulamentação e um sistema de tributos menos ​progressivo. Essas políticas, segundo críticos, poderiam, em muitos casos, beneficiar pessoas com maior capital e prejudicar aqueles com menor poder econômico.

No entanto, a preferência política não é apenas uma escolha econômica — ela envolve valores, identidades, expectativas e percepções da sociedade que vão muito além das finanças pessoais. Existem várias razões que podem explicar por que pessoas de classes econômicas menos favorecidas optam por ideologias de direita, e vou delinear algumas delas:

Identidade e valores culturais: Muitas pessoas de classes econômicas mais baixas têm valores culturais e sociais que se alinham com as ideologias de direita. Isso pode incluir posições em temas como religião, família, segurança e moralidade. Uma pessoa pode ver na direita uma defesa desses valores, mesmo que em termos econômicos essa posição não pareça imediata ou claramente vantajosa.

Desconfiança no Estado e na política assistencialista: Muitos eleitores pobres têm uma experiência direta com ineficiências, corrupção ou má gestão dos recursos públicos. Para esses indivíduos, a ideia de que o Estado deve reduzir seu papel, ser menos regulador e mais enxuto pode fazer sentido. Eles podem preferir soluções que promovam a autonomia individual e reduzam a dependência de um sistema estatal que enxergam como falho.

Meritocracia e a crença no “self-made”: Mesmo em condições difíceis, muitas pessoas acreditam na ideia de que, com trabalho árduo, é possível melhorar de vida. A ideologia de direita frequentemente exalta o mérito individual, a iniciativa privada e a responsabilidade pessoal, e muitos se identificam com esses ideais, pois eles representam uma visão positiva da própria capacidade de ascensão social.

Identificação com lideranças fortes e conservadoras: Em contextos onde figuras políticas de direita se apresentam como “protetores do povo”, combatendo “elites” ou inimigos percebidos (como criminosos, por exemplo), eleitores de classes econômicas mais baixas podem sentir uma identificação ou uma proteção vinda dessas figuras. Esse fenômeno é comum quando lideranças se mostram dispostas a falar diretamente aos anseios da população, com uma retórica anti-establishment ou anti-elite, mesmo que suas políticas sigam uma linha de direita.

Opiniões divergentes sobre impostos e gastos públicos: A ideia de que a cobrança excessiva de impostos e o tamanho do Estado limitam as oportunidades de crescimento pode ressoar com a classe baixa que paga, por exemplo, altos impostos indiretos e enfrenta dificuldades de crescimento econômico. Defensores da direita argumentam que menos intervenção do Estado geraria mais empregos e oportunidades, uma visão que pode ser atraente para aqueles que buscam autonomia financeira.

Conservadorismo social e segurança: Muitas comunidades de classes econômicas mais baixas são socialmente conservadoras e valorizam a segurança pública. Em países ou regiões onde a direita enfatiza políticas de segurança mais duras e valores sociais tradicionais, esse posicionamento pode ser atraente. Assim, temas como combate à violência, fortalecimento das polícias e segurança são argumentos que podem pesar mais do que a política econômica em si.

Diversidade de experiências e perspectivas: As pessoas em situação de pobreza ou baixa renda têm vivências muito diversas e não formam um grupo homogêneo em termos de experiência ou visão de mundo. Cada pessoa interpreta sua realidade a partir de valores, expectativas e esperanças que vão além da questão econômica. Isso quer dizer que, para alguns, as promessas e princípios da direita fazem mais sentido dentro do conjunto de suas crenças e ambições.

Assim, a ideia de que “pobre não poderia ser de direita” desconsidera a complexidade das escolhas políticas, que vão muito além da posição econômica. As pessoas podem optar por um lado do espectro político não apenas com base em seus interesses econômicos imediatos, mas também em função de valores, perspectivas de futuro e experiências pessoais que moldam seu entendimento do que consideram justo, seguro ou promissor para si e para suas comunidades.

O storytelling, como ferramenta para compreender a relação entre escolhas políticas e contexto socioeconômico, levanta várias questões que ajudam a explorar o comportamento de grupos e indivíduos. Ao examinar essa situação através da narrativa, o storytelling pode oferecer uma visão mais profunda das motivações, valores e experiências que influenciam as decisões políticas. Aqui estão algumas questões que o storytelling pode levantar para enriquecer a compreensão dessa realidade:

Qual é a história de vida e o contexto do indivíduo?

Entender o histórico pessoal, as experiências e os desafios enfrentados por alguém pode ajudar a compreender por que uma pessoa em situação econômica desfavorecida pode escolher um posicionamento político de direita. Experiências de insegurança, dificuldades com serviços públicos, ou frustração com promessas não cumpridas podem gerar desconfiança em ideologias ou políticas progressistas, por exemplo. Uma narrativa que mergulha na trajetória de vida traz clareza sobre como essas escolhas políticas refletem os caminhos e reações vividos ao longo dos anos.

Quais são os valores centrais que moldam a visão de mundo desse indivíduo?

Para muitos, a identidade vai além da questão econômica e é moldada por valores como família, tradição, segurança e autonomia. Uma narrativa bem construída revela esses valores e como eles são influenciados por fatores culturais e comunitários. Questões de storytelling como: Quais são os valores que essa pessoa valoriza mais? O que é mais importante para ela? – podem mostrar o impacto dos valores culturais e familiares nas escolhas.

Qual é o “herói” ou a “figura modelo” na perspectiva do eleitor?

Storytelling também explora a importância de personagens centrais. Ao perguntar quem são os “heróis” ou figuras inspiradoras para alguém, entendemos mais sobre o que ele valoriza. Lideranças de direita, que apresentam uma postura de independência, força ou combate à corrupção, podem se tornar figuras ideais para eleitores em busca de segurança e firmeza, tornando mais fácil a identificação.

Como as expectativas e os sonhos futuros influenciam suas decisões?

O storytelling ajuda a explorar o que alguém espera da vida e como ele enxerga o futuro. Uma narrativa pode mostrar as aspirações e como essas visões do que está por vir moldam escolhas políticas. Para alguns, a promessa de mais liberdade econômica e individual pode ser um atrativo maior do que programas de assistência social. Perguntas como: Onde esse personagem quer chegar? Quais são os obstáculos que ele enxerga? revelam como o desejo de autonomia, ou de alcançar uma vida melhor, influencia suas decisões.

Como histórias de superação e meritocracia moldam essa visão de mundo?

Narrativas de sucesso pessoal – aquelas que exaltam o esforço e a conquista individual – ressoam muito para alguns, e o storytelling nos ajuda a entender o papel dessas histórias em suas escolhas. Histórias inspiradoras de quem “venceu por conta própria” podem se tornar modelos para indivíduos que se identificam mais com a ideia de meritocracia do que com a ajuda governamental. O storytelling levanta questões sobre como essas narrativas de superação influenciam valores e crenças.

Quais são as percepções e experiências sobre o governo e políticas públicas?

Muitos eleitores de classes menos favorecidas tiveram experiências negativas com políticas públicas ou não percebem impacto direto em suas vidas. O storytelling permite explorar narrativas pessoais sobre a relação dessas pessoas com o governo, revelando se elas se sentem realmente representadas e beneficiadas. Questionamentos como: O que o governo representa para esse indivíduo? Ele sente que o sistema lhe responde ou lhe ignora? ajudam a capturar essas percepções complexas.

Como o “inimigo” é percebido e como isso influencia as escolhas?

O storytelling também permite identificar os “antagonistas” na visão de mundo do indivíduo. Para muitos, o “inimigo” pode ser a corrupção, o sistema econômico, a violência ou qualquer coisa que represente um obstáculo ao bem-estar. Ao explorar o que ou quem representa esse “inimigo” para a pessoa, compreendemos melhor suas escolhas. Para eleitores pobres que veem na corrupção um grande problema, figuras políticas que prometem combate duro a esses males podem representar esperança, mesmo que venham de uma linha ideológica que pareça contraditória.

Como o meio em que a pessoa vive influencia suas narrativas e suas decisões?

Storytelling nos lembra que o contexto social e o ambiente afetam a visão de mundo. Uma pessoa em um bairro pobre e violento, por exemplo, pode apoiar uma política de segurança mais rigorosa, independentemente de suas implicações políticas, pois vive uma realidade onde segurança e sobrevivência são preocupações imediatas.

Portanto, o storytelling ajuda a revelar as camadas de complexidade nas decisões políticas, mostrando que as escolhas vão muito além de “pobre ou rico” ou “direita ou esquerda.” Ao investigar a trajetória pessoal, os valores, as percepções e os desejos, conseguimos uma visão humanizada e abrangente das escolhas e identificamos o papel das narrativas individuais e coletivas que moldam as posições de cada um.

A ascensão das direitas, especialmente da extrema-direita, pode ser analisada sob uma ótica mais profunda do storytelling. Esta perspectiva nos permite ver como as narrativas que formam as ideologias e o discurso político respondem a necessidades emocionais, sociais e identitárias das pessoas — necessidades que, em muitos contextos, a esquerda parece não estar conseguindo suprir. Além das redes sociais, que amplificam as mensagens, as estratégias narrativas e a capacidade de construir histórias simples, diretas e emocionalmente ressonantes também explicam o sucesso da direita extrema.

Aqui estão oito pontos-chave que o storytelling pode levantar para compreender por que as esquerdas parecem sem discurso convincente, enquanto a direita moderada e extrema avança:

1. Simplicidade e Emoção: Narrativas Claras e Poderosas

A direita, em muitos casos, adota narrativas curtas e emocionalmente carregadas que capturam sentimentos comuns: medo, nostalgia, identidade e segurança. Enquanto a esquerda tenta debater ideias complexas, muitas vezes focando em dados e evidências, a direita apresenta mensagens claras que atendem às necessidades imediatas da população. Essas narrativas são fáceis de compreender e têm apelo emocional, como "proteger a família," "salvar a nação" ou "combater o sistema". Esse tipo de narrativa desperta emoção e gera uma sensação de urgência, o que é mais eficaz do que explicações detalhadas e longas.

2. A Busca por Identidade e Pertença

Em um mundo cada vez mais globalizado e multicultural, muitos se sentem “deslocados” em relação à identidade nacional e cultural. A direita extrema frequentemente usa uma narrativa de resgate da "verdadeira identidade" ou “tradição” que, para muitos, oferece um sentimento de pertença. Essa narrativa, que constrói uma identidade coletiva baseada em raízes nacionais, família e valores tradicionais, preenche a necessidade emocional de sentir que fazem parte de algo maior, coerente e estável. A esquerda, ao contrário, muitas vezes promove um discurso de diversidade e universalismo que, embora importante, pode não ressoar com a mesma força identitária para alguns grupos.

3. O Discurso do “Inimigo Comum” e a Mobilização pelo Medo

Narrativas de direita tendem a construir “vilões” claros e facilmente identificáveis, como “a corrupção”, “os imigrantes que tomam nossos empregos” ou “as elites que controlam tudo.” Essa estratégia cria um inimigo comum contra o qual a sociedade deve lutar, unindo pessoas sob uma causa simples e compreensível. A esquerda, no entanto, geralmente adota um discurso mais complexo e menos agressivo na definição de antagonistas, focando-se em sistemas e estruturas em vez de indivíduos ou grupos específicos. Isso pode fazer com que o discurso pareça menos impactante e até confuso para o público geral, enquanto a narrativa da direita extrema oferece uma causa unificadora e direta.

4. Conexão com o Cotidiano e a Linguagem Popular

Uma análise de storytelling revela que a direita extrema constrói histórias que se conectam diretamente com a vida cotidiana das pessoas, utilizando uma linguagem acessível e popular. Discursos que falam de “trabalho duro”, “honra” e “direito à segurança” são compreendidos por todos, pois fazem parte do cotidiano. A esquerda, por outro lado, muitas vezes usa uma linguagem acadêmica ou abstrata, abordando temas amplos como "justiça social" ou "redistribuição de renda," que podem parecer distantes ou idealistas para quem enfrenta dificuldades imediatas.

5. Apelo a Valores Permanentes vs. Narrativas de Mudança e Transformação

Narrativas de direita frequentemente apelam a valores perenes e permanentes, como segurança, família, tradição e hierarquia. Essas narrativas oferecem a promessa de estabilidade em tempos incertos. A esquerda, que historicamente promove mudanças sociais, tende a criar narrativas de transformação e progresso. Embora esse discurso seja fundamental para avanços sociais, em momentos de crise ou incerteza ele pode parecer ameaçador para quem busca estabilidade e respostas concretas. A extrema-direita, portanto, apresenta suas ideias como uma "âncora" em meio ao caos, criando uma narrativa atrativa de “resgatar” um passado seguro e idealizado.

6. A Crise do “Herói” e a Falta de Narrativas de Inspiração na Esquerda

O storytelling destaca a importância de “heróis” ou figuras que inspiram e lideram. A direita extrema tem utilizado figuras carismáticas e polarizadoras que personificam a narrativa que defendem. Essas figuras são apresentadas como “heróis do povo” que desafiam o sistema em prol dos cidadãos. A esquerda, por outro lado, enfrenta uma crise de lideranças com carisma semelhante, que consigam transmitir a mesma força emocional. Muitas vezes, seus líderes se focam em políticas e argumentos racionais, enquanto a direita extrema cultiva um tipo de "herói popular" que inspira fidelidade e gera conexão emocional.

7. Desconexão com o Eleitorado e Falta de Narrativas Locais

Em muitos contextos, a esquerda tem dificuldades para se conectar diretamente com as necessidades locais, apresentando discursos amplos e globais. A direita, em contrapartida, fala diretamente sobre os problemas que o cidadão enfrenta diariamente, como a violência, a perda de emprego, o aumento da imigração ou os valores familiares. Essa narrativa se aproxima mais da experiência real das pessoas e gera uma conexão maior. A ausência de narrativas que dialoguem com a realidade concreta e imediata da população faz com que a esquerda muitas vezes pareça distante ou elitista.

8. Redes Sociais como Amplificadoras, mas Não a Causa Principal

As redes sociais desempenham um papel significativo ao amplificar essas mensagens, mas elas não são a raiz do problema. O sucesso da direita extrema nas redes sociais deve-se à capacidade de criar narrativas simples, virais e altamente emocionais que se espalham com facilidade. Enquanto a esquerda tenta inserir debates complexos e contextos sociais amplos, a direita extrema cria memes, frases curtas e vídeos emocionantes que ecoam com o público. As redes sociais são apenas o meio; o storytelling bem estruturado é a força por trás da viralidade.

Como o Storytelling pode ajudar a esquerda a reconstruir seu discurso?

Para reverter esse cenário, a esquerda precisa redescobrir o poder do storytelling, construindo narrativas que ressoem emocionalmente e que ofereçam respostas claras às necessidades e temores da população. Isso pode incluir:

  • Apresentar histórias de vida reais e inspiradoras, que mostrem a luta de pessoas comuns e como políticas progressistas podem transformar suas vidas.
  • Resgatar valores universais, como dignidade, segurança e identidade, mas de maneira inclusiva e realista, conectando esses valores às necessidades de cada grupo social.
  • Criar heróis populares, figuras capazes de inspirar e gerar uma conexão emocional com o público, equilibrando carisma com compromisso ético e social.
  • Adaptar a linguagem para o público, abordando temas complexos de forma acessível e direta, sem abrir mão da profundidade.

Assim, o storytelling permite que a esquerda compreenda que as pessoas escolhem seus “lados” não apenas por políticas e dados, mas por histórias e valores que representam suas aspirações e medos. Narrativas fortes, que deem voz a quem se sente esquecido, que defendam valores autênticos e que se conectem com o cotidiano e a identidade do público podem, novamente, tornar-se um discurso potente para a esquerda.

 

 

JAMES MCSILL 15 de novembro de 2024
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