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A experiência profunda da “imersão plena” na criação de histórias

Há uma experiência profunda que alguns chamam de “imersão plena”. É aquele estado em que você se perde completamente naquilo que está fazendo, onde o mundo exterior parece desaparecer e você se torna um com a tarefa, com a criação, com o momento. Ao longo dos anos trabalhando com a arte de contar histórias e observando o poder das habilidades humanas em meio à tecnologia, percebi que essa imersão plena não só é possível como é fundamental para criar algo verdadeiramente impactante.

Quando falamos de imersão plena, estamos nos referindo a um estado em que o "eu" se dissolve e permite que algo maior flua através de nós. Não é apenas uma questão de se concentrar em uma tarefa, mas de deixar de lado o controle e o ego, permitindo que a história, a mensagem ou a criação tomem o seu próprio caminho. Esse estado é uma das essências do que eu chamo de Transe Criativo: um mergulho onde nos tornamos canais de uma expressão autêntica, e o ato de criar se torna uma experiência transformadora tanto para quem cria quanto para quem recebe.

Esses momentos de Transe Criativo são especialmente necessários na era moderna, onde a inteligência artificial e as máquinas têm se tornado assistentes dos processos criativos. Por mais que essas tecnologias auxiliem em estrutura e até em organização de ideias, a essência do contar histórias, o que realmente toca o ser humano, ainda depende de uma conexão genuína que só podemos acessar ao entrar em imersão plena.

Lembro-me de uma autora com quem trabalhei que estava tentando escrever sua história de vida, uma narrativa marcada por experiências pessoais intensas. Ela lutava para avançar porque se preocupava com o que as pessoas pensariam ao ler o seu relato. Foi quando discutimos a ideia do Transe Criativo e a importância de deixar de lado essa autoconsciência excessiva. Ao experimentar essa entrega, essa imersão, ela finalmente conseguiu que a história fluísse naturalmente. Ela se tornou, de certo modo, uma “canalizadora” de suas próprias memórias, permitindo que os momentos de maior impacto emocional surgissem com verdade e sem filtros. O resultado foi um texto profundamente autêntico que tocou muitas pessoas, justamente porque vinha de um lugar além do ego.

Essa entrega à imersão plena exige uma combinação única de desafio e rendição, um ponto onde o criador sente que a tarefa é difícil o suficiente para exigir o seu melhor, mas ao mesmo tempo possível de realizar, desde que esteja completamente presente e focado. Essa é a essência do que chamo de Limiar de Envolvimento: o ponto exato onde se encontra a abertura para que o Transe Criativo aconteça. No Limiar de Envolvimento, o criador precisa se deixar guiar pelo que surge no momento, abandonando os pensamentos sobre "como deveria ser" para acolher o "como é".

Mas essa experiência não se limita aos escritores ou artistas; em qualquer atividade que exige entrega, é possível atingir o Transe Criativo. Penso em outra história, desta vez de um amigo que é alpinista. Ele contou que, durante uma escalada desafiadora, sentiu-se tão focado e tão parte da montanha que perdeu a noção do tempo e do esforço. Cada movimento fluía naturalmente, e ele sentia que tudo ao seu redor – o vento, as rochas, até mesmo sua própria respiração – fazia parte de uma dança harmoniosa. Esse Transe Criativo o ajudou a escalar com precisão e segurança, como se ele e a montanha fossem um só.

É nesse ponto de unidade e presença que muitas vezes conseguimos acessar ideias, forças e habilidades que não sabíamos que possuíamos. Dilts, um estudioso das transformações humanas, descreveu essa experiência como uma espécie de “transcendência do eu”, onde se alcança uma conexão mais ampla e profunda com algo maior que o “eu”. Ele visualizou isso em uma estrutura de níveis, onde o mais elevado seria o espírito – uma força, propósito ou visão que orienta e transforma todas as camadas da experiência humana. No Transe Criativo, o indivíduo se conecta com essa essência, deixando que ela se manifeste e, ao mesmo tempo, influencie todas as outras dimensões do seu ser.

Na era da criação auxiliada pela tecnologia, essa experiência do Transe Criativo se torna ainda mais relevante. A tecnologia pode auxiliar-nos em muitos aspectos, mas o impacto verdadeiro ainda depende dessa entrega humana. Por mais que a inteligência artificial seja uma ferramenta poderosa, ela ainda carece dessa faísca de transcendência, da conexão com algo maior. A tecnologia organiza, acelera e até produz, mas ela não sente, não se entrega, não mergulha no Transe Criativo. Esse é o papel do humano: manter viva essa capacidade de conexão e autenticidade.

Para quem deseja cultivar essa imersão plena, há práticas que podem ajudar a alcançar o Transe Criativo. Uma delas é o que chamo de Ritual de Entrada: uma série de ações que preparam o criador para o estado de total presença. No caso da autora que mencionei antes, seu Ritual de Entrada passou a incluir um momento de silêncio e respiração, onde ela se permitia sentir a carga emocional do que queria escrever antes de começar. Essa preparação a ajudou a “abrir as portas” para a imersão plena, conectando-a com a sua verdade antes de transpor isso para a página.

Outro elemento fundamental é a Leveza do Fazer. Quando estamos em imersão plena, os gestos, os pensamentos, e as ações fluem de forma quase automática, sem a interferência da autocrítica. É como se entrássemos em um ritmo onde tudo acontece naturalmente, como o bater de um coração. Essa leveza não surge com esforço consciente, mas é o resultado de deixar de lado as expectativas, permitindo que o que quer que precise vir, venha.

Acredito que, para quem deseja criar histórias que toquem o público de maneira autêntica e profunda, o Transe Criativo é uma ferramenta essencial. E na era da tecnologia, esse estado é o diferencial que separa uma obra comum de uma experiência transformadora. No final, o que torna o processo de contar histórias tão único é essa combinação de entrega e verdade, algo que nem a tecnologia mais avançada pode replicar. Nós, como criadores, temos o privilégio de mergulhar nessa jornada de imersão plena e, ao fazer isso, deixar que algo maior flua através de nós, tocando o mundo e, ao mesmo tempo, transformando-nos.

JAMES MCSILL 3 de novembro de 2024
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