Se tu já leste qualquer manual de escrita, provavelmente te deparaste com regras como:
✅ Elimina palavras desnecessárias!
✅ Remove verbos de pensamento!
✅ Evita palavras evasivas e inflacionárias!
Essas diretrizes são úteis para limpar o texto de excessos óbvios, mas podem se tornar armadilhas quando aplicadas de forma rígida e indiscriminada. Muitos escritores iniciantes, na tentativa de tornar sua escrita mais "enxuta", acabam matando o ritmo, a musicalidade e a profundidade emocional do texto.
1. Erros Comuns do Escritor Inexperiente
❌ Cortar palavras sem avaliar o impacto rítmico
Exemplo:
ANTES: "No silêncio da noite, ela se lembrava, com um certo pesar, das palavras não ditas."
DEPOIS (RUIM): "À noite, ela lembrava das palavras não ditas."
O que aconteceu? O texto perdeu sua cadência e a sensação de introspecção. "No silêncio da noite" estabelece um clima que "À noite" não transmite.
❌ Substituir imagens evocativas por frases diretas e sem alma
Exemplo:
ANTES: "As sombras dançavam nas paredes como se estivessem contando histórias esquecidas."
DEPOIS (RUIM): "As sombras se moviam nas paredes."
Erro: A frase cortada elimina toda a beleza da cena e transforma um trecho visualmente rico em algo insípido.
❌ Achar que "mais curto" significa "mais impactante"
Exemplo:
ANTES: "Ela sentia o coração apertado, como se estivesse sendo esmagado por um punho invisível."
DEPOIS (RUIM): "Ela sentia o coração apertado."
Erro: O impacto emocional foi diluído. A comparação com o "punho invisível" torna a dor palpável e visual, enquanto a versão cortada não carrega o mesmo peso.
2. Quando Cortar é Necessário (E Quando NÃO É)
Nem sempre a concisão é inimiga da beleza. O problema surge quando se corta sem critério. Aqui estão alguns casos em que cortar melhora a escrita e casos em que o corte estraga tudo.
✂️ Cortes que Funcionam
✅ Redundâncias óbvias
ANTES: "Ele sorriu levemente, com um pequeno sorriso nos lábios."
DEPOIS (MELHORADO): "Ele sorriu levemente."
✅ Palavras vazias que não acrescentam nada
ANTES: "Ela começou a chorar silenciosamente."
DEPOIS (MELHORADO): "Ela chorou em silêncio."
✅ Uso excessivo de advérbios
ANTES: "Ele olhou rapidamente para trás."
DEPOIS (MELHORADO): "Ele lançou um olhar por cima do ombro."
❌ Cortes que Destroem a Musicalidade
🚨 Remover repetições intencionais
ANTES: "Ele sentiu o frio na pele. Um frio cortante. Um frio que parecia nascer dentro dele."
DEPOIS (RUIM): "Ele sentiu frio."
Por que é ruim? A repetição enfatizava a intensidade do frio. Sem ela, a frase perde força.
🚨 Eliminar pausas naturais da leitura
ANTES: "Por um instante, tudo parou. O tempo, o ar, o som – como se o mundo estivesse prendendo a respiração."
DEPOIS (RUIM): "Tudo parou."
Erro: A pausa e a cadência criavam um efeito dramático. O corte transforma a frase em algo banal.
🚨 Cortar expressões que reforçam o tom emocional
ANTES: "Ela segurou a carta com dedos trêmulos, o peito apertado por uma angústia antiga."
DEPOIS (RUIM): "Ela segurou a carta com dedos trêmulos."
Erro: A angústia dá contexto emocional à cena. Sem ela, o leitor perde a conexão com o personagem.
3. Como Treinar a Sensibilidade para Cortar (Ou Não)
Agora que já sabes o que evitar, a questão é: como praticar para escrever com precisão e beleza, sem cair na armadilha da concisão excessiva?
🛠️ Exercício 1: O Teste do Eco Sonoro
📌 Passo 1: Escreve um parágrafo e lê-o em voz alta.
📌 Passo 2: Presta atenção ao ritmo – há repetições naturais, pausas e uma sonoridade fluida?
📌 Passo 3: Agora, tenta reescrever o parágrafo eliminando algumas palavras.
📌 Passo 4: Lê a nova versão e percebe se perdeu algo essencial. Se sim, volta atrás.
🎯 Objetivo: Ensinar o ouvido a detectar quando um corte melhora ou destrói a fluidez do texto.
🛠️ Exercício 2: O Desafio do Antes e Depois
1️⃣ Escolhe um trecho de um livro que admiras.
2️⃣ Reescreve-o tentando torná-lo mais “eficiente”, removendo palavras.
3️⃣ Compara a versão original com a tua edição.
4️⃣ Se o texto perder impacto, analisa por quê e refaz o exercício.
🎯 Objetivo: Perceber que "eficiência" nem sempre significa "melhor".
🛠️ Exercício 3: O Método dos 3 Níveis
📌 Passo 1: Escreve uma descrição de uma cena emocional.
📌 Passo 2: Reescreve essa cena cortando 30% das palavras.
📌 Passo 3: Agora, reescreve uma terceira versão, mas sem perder a emoção – ajusta a estrutura, adiciona ritmo e musicalidade.
🎯 Objetivo: Treinar a capacidade de cortar sem eliminar o impacto emocional.
Conclusão – Escrever Bem Não é Escrever Pouco, É Escrever Com Inteligência
A ideia de que "cortar é sempre melhor" é uma falácia. Muitos escritores novatos acham que eliminar palavras automaticamente torna o texto mais profissional, mas um texto impactante não é um texto curto – é um texto bem construído.
🔥 Dicas para não cair na armadilha da concisão excessiva:
✅ Lê em voz alta para testar o ritmo.
✅ Presta atenção ao impacto emocional. Se cortar uma palavra empobrece a cena, volta atrás.
✅ Evita cortar apenas por cortar. Cada palavra deve ter um propósito – seja transmitir significado, criar atmosfera ou reforçar o ritmo.
✅ Desenvolve o ouvido literário. Lê bons autores e observa como trabalham a sonoridade.
No fim, a escrita de excelência vem do equilíbrio entre clareza, ritmo e emoção. Saber quando cortar e quando manter é o verdadeiro segredo.
Agora, antes de saíres cortando frases feito um lenhador descontrolado, pergunta-te: isso melhora ou empobrece meu texto? A resposta faz toda a diferença entre uma escrita comum e uma escrita inesquecível.
Quando a Ineficiência é Beleza
Muitos escritores acreditam que escrever bem é escrever de maneira direta, removendo qualquer traço de "ineficiência". Mas será que um texto que simplesmente diz o que precisa dizer, sem adornos, sem ritmo e sem respiro, consegue tocar o leitor?
Vamos analisar um trecho do livro The Master, de Colm Tóibín, um escritor premiado internacionalmente.
"Às vezes, durante a noite, ele sonhava com os mortos – rostos familiares e outros, meio esquecidos, evocando-se fugazmente. Agora, ao despertar, imaginou que ainda faltava uma hora ou mais para o amanhecer; não haveria som ou movimento por várias horas. Tocou os músculos do pescoço, que haviam se enrijecido; sob seus dedos, pareciam duros e sólidos, mas não doloridos. Ao mover a cabeça, ouviu o ranger dos músculos. Sou como uma porta velha, disse para si mesmo."
O que há de especial nesse trecho? Quase tudo nele vai contra as regras convencionais de escrita!
📌 Frases longas e detalhadas.
📌 Uso de construções indiretas em vez de diretas.
📌 Repetição sutil de estruturas e palavras.
📌 Ritmo pausado, quase musical.
Agora, vejamos como um editor impiedoso poderia reescrever esse trecho:
"Durante a noite, ele sonhava com mortos conhecidos e desconhecidos. Ao acordar, percebeu que ainda faltava uma hora para o amanhecer. O ambiente estava silencioso. Ele tocou os músculos rígidos do pescoço, que rangeram quando ele moveu a cabeça. 'Sou como uma porta velha', pensou."
💀 O que aconteceu?
- O ritmo foi achatado.
- A cadência foi destruída.
- O tom introspectivo desapareceu.
- O efeito musical sumiu.
Esse novo texto é mais eficiente? Talvez. Mas é melhor? Definitivamente, não!
Agora, vamos desmontar esse trecho como um engenheiro desmontaria um motor, para entender por que ele funciona tão bem.
🔍 Elemento 1: A Repetição Estratégica
O texto original usa repetições discretas para criar um efeito rítmico. Vejamos:
💬 "Às vezes, durante a noite, ele sonhava com os mortos – rostos familiares e outros, meio esquecidos, evocando-se fugazmente."
Aqui, temos um eco sonoro:
✅ "Às vezes" + "durante a noite" → Ambas as expressões reforçam a sensação de algo recorrente e nebuloso.
✅ "Rostos familiares" + "outros, meio esquecidos" → Cria uma dualidade entre lembranças nítidas e memórias difusas.
Se cortássemos a primeira parte, perderíamos a textura psicológica desse momento.
🔍 Elemento 2: O Uso da Pausa e do Ritmo Interno
Agora, olha essa parte:
💬 "Ao despertar, imaginou que ainda faltava uma hora ou mais para o amanhecer; não haveria som ou movimento por várias horas."
A escolha de quebrar essa frase em duas partes com um ponto e vírgula força o leitor a fazer uma pausa inconsciente. Isso imita a sensação do personagem acordando em um ambiente silencioso e desolado.
📌 Se reescrevêssemos de forma "mais eficiente", teríamos algo assim:
❌ "Ao acordar, viu que ainda era noite. O silêncio dominava tudo."
Resultado? O ritmo desaparece. A sensação de torpor e de passagem lenta do tempo foi achatada.
🔍 Elemento 3: A Metáfora Impactante no Fim
O trecho final do parágrafo é curto e direto:
💬 "Sou como uma porta velha, disse para si mesmo."
Aqui, a frase curta funciona porque contrasta com o resto do parágrafo. O texto inteiro é feito de frases longas e pausadas – e, de repente, temos um golpe seco, introspectivo.
Se todo o trecho fosse curto e direto, essa frase perderia força. O impacto vem do contraste.
📌 Conclusão? Nem toda frase deve ser curta. O ritmo é criado pela alternância entre frases longas e curtas.
Erros Comuns de Escritores que Não Sabem Trabalhar o Ritmo
Aqui estão os três erros mais comuns de escritores que não dominam essa técnica:
🚨 Erro #1: Transformar tudo em frases curtas e sem vida
Exemplo:
ANTES (bom): "A chuva caía fina e constante, marcando o vidro da janela como lágrimas silenciosas."
DEPOIS (ruim): "Chovia. Gotas desciam pela janela."
O problema? A cena perdeu a beleza e o impacto emocional.
🚨 Erro #2: Cortar conectores que dão fluidez
ANTES (bom): "Ele fechou os olhos, sentiu o cheiro do mar e deixou-se levar pela memória de tempos antigos."
DEPOIS (ruim): "Ele fechou os olhos. Sentiu o cheiro do mar. Lembrou do passado."
O problema? A fluidez sumiu, tornando a leitura mecânica.
🚨 Erro #3: Não usar pausas naturais na narrativa
ANTES (bom): "Por um momento, o silêncio pareceu absoluto. Depois, um som baixo e quase imperceptível surgiu ao fundo."
DEPOIS (ruim): "O silêncio durou pouco. Logo surgiu um som baixo."
O problema? A pausa dramática foi eliminada.
Como Praticar?
Agora que já entendeste o que torna um texto ritmado e musical, como podes treinar essa habilidade? Aqui estão três exercícios essenciais.
🛠️ Exercício 1: O Treinamento Auditivo
📌 Passo 1: Escreve um parágrafo descritivo.
📌 Passo 2: Lê-o em voz alta.
📌 Passo 3: Grava e ouve a leitura.
📌 Passo 4: Ajusta o ritmo, criando pausas estratégicas e variação entre frases curtas e longas.
🎯 Objetivo: Perceber o fluxo da escrita e detectar trechos que soam "travados".
🛠️ Exercício 2: O Teste da Remoção
📌 Passo 1: Pega um trecho de um autor que gostas e remove palavras até deixá-lo "enxuto".
📌 Passo 2: Lê ambas as versões e compara: a segunda versão manteve a mesma musicalidade?
📌 Passo 3: Se perdeu impacto, restaura alguns elementos.
🎯 Objetivo: Aprender a distinguir cortes úteis de cortes destrutivos.
🛠️ Exercício 3: O Desafio do Ritmo Alternado
📌 Passo 1: Escreve um parágrafo de 5 frases.
📌 Passo 2: Alterna frases curtas e longas, ajustando o ritmo.
📌 Passo 3: Testa diferentes pontuações para criar pausas e efeitos sonoros.
🎯 Objetivo: Desenvolver a habilidade de manipular o ritmo de leitura.
A Beleza Está no Ritmo
Escrever bem não é apenas contar uma história – é saber como ela soa e flui na mente do leitor. A musicalidade é a alma do texto, e cortar sem critério pode transformá-lo em algo mecânico e sem vida.
Antes de limares uma frase até o osso, pergunta-te: isso melhora o texto ou destrói sua música? Esse é o segredo dos grandes escritores.
O escritor é um robô?
Se escreves como um burocrata preenche planilhas, parabéns: tua escrita será esquecida antes da última página.
Sim, há regras de escrita. Mas seguir regras cegamente não te faz um grande escritor, assim como seguir uma receita não te faz um chef. A boa escrita não é apenas transmitir informações – é criar impacto.
Por Que Seguir Regras à Risca Pode Arruinar Teu Texto
Aqui está o que acontece quando um escritor amador segue as regras de forma literal:
📌 Ele corta tanto que seu texto vira um telegrama.
📌 Ele evita metáforas porque ‘complicam a leitura’.
📌 Ele segue a fórmula ‘sujeito + verbo + complemento’ até transformar a prosa num manual de eletrodoméstico.
Exemplo:
ANTES (bom): "O vento deslizou pela janela aberta, carregando consigo o cheiro da chuva e o sussurro de promessas que ele não sabia se poderia cumprir."
DEPOIS (ruim): "O vento entrou pela janela. Tinha cheiro de chuva. Ele não sabia se cumpriria suas promessas."
⚠️ O que aconteceu?
- O primeiro trecho cria atmosfera e emoção.
- O segundo parece um relatório técnico.
Conclusão: Seguir regras sem pensar pode transformar uma boa história numa sequência de frases sem vida.
Quando Seguir e Quando Quebrar Regras
O melhor escritor não é aquele que corta mais palavras. É aquele que escolhe com precisão quais palavras manter.
📌 Se uma frase longa cria ritmo, mantém.
📌 Se um advérbio adiciona cor, usa-o.
📌 Se um detalhe intensifica a emoção, não o apaga.
O problema dos escritores inseguros é que eles querem se esconder atrás das regras. Mas escrever bem exige coragem. É preciso saber quando abandonar o manual e confiar no instinto narrativo.
Como Desenvolver o Instinto para Escrever Bem? (How-To Prático)
Agora que já viste os erros e acertos, como podes treinar teu cérebro para escolher as palavras certas sem cair nas armadilhas da concisão exagerada?
🛠️ Exercício 1: O Teste do Coração
📌 Passo 1: Escolhe um parágrafo do teu texto.
📌 Passo 2: Corta tudo até a versão mais enxuta possível.
📌 Passo 3: Lê em voz alta. Ainda tem emoção? Se não, volta atrás.
📌 Passo 4: Ajusta, trazendo de volta apenas o essencial para manter a alma do trecho.
🎯 Objetivo: Ensinar o equilíbrio entre clareza e emoção.
🛠️ Exercício 2: O Desafio do Autor Profissional
📌 Passo 1: Pega um trecho de um autor consagrado que admiras.
📌 Passo 2: Tenta "melhorá-lo" aplicando regras de concisão.
📌 Passo 3: Agora, compara tua versão com a original.
📌 Passo 4: Se tua versão ficou pior (e provavelmente ficou), analisa o que foi perdido.
🎯 Objetivo: Perceber como autores experientes usam a musicalidade e o ritmo.
🛠️ Exercício 3: O Treino do Contraste
📌 Passo 1: Escreve um parágrafo longo e poético.
📌 Passo 2: Escreve outro parágrafo curto e seco.
📌 Passo 3: Agora, mistura os dois, alternando ritmo e impacto.
🎯 Objetivo: Criar um texto dinâmico e envolvente, sem monotonia.
Escrever é para amadores?
Se achas que basta escrever "do jeito que sai da tua cabeça" e jogar no mundo, faz um favor a ti mesmo: não publica.
Se não tens paciência para revisar, cortar e reconstruir cada frase até que o texto cante no papel, esquece a publicação.
Se não estás disposto a ler em voz alta cada trecho e sentir a musicalidade, não chama o que fazes de "escrita profissional".
📌 Escrever profissionalmente é um ofício, não um hobby.
📌 Se não levas a sério, o mercado também não te levará.
📌 Ou aprendes a escrever com precisão, ou aceitas que serás só mais um na multidão.
Agora, pega esse texto e volta ao teu rascunho. Corta o que precisa ser cortado. Mantém o que precisa ser mantido. E, acima de tudo, aprende a ouvir a música das palavras.
A Ilusão da Eficiência – Será Que Cortar Sempre Melhora o Texto?