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A Ilusão do "Bestseller Instantâneo"

Por Que Escrever Não É Apenas Produzir Texto

Senhoras e senhores, sejam bem-vindos ao maravilhoso mundo da literatura de plástico, onde a criatividade foi substituída por prompts e os escritores já não precisam de escrever. Basta um clique, meia dúzia de palavras mágicas e voilá: tens um livro. E não é um livro qualquer! É um best-seller! Um fenómeno literário que vai render rios de dinheiro enquanto tu, iluminado e revolucionário, aproveitas os teus dias na praia, entre um mojito e um olhar perdido no horizonte. Soa bem, não soa?

Pois, o problema é que não acontece. Nunca aconteceu. Nem vai acontecer.

Mas vamos lá devagarinho, porque sei que há quem goste de acreditar que, desta vez, finalmente descobriram o segredo do sucesso instantâneo. Afinal, se a IA consegue criar texto, por que não pode escrever um livro? Simples: porque um livro é muito mais do que um alinhamento aleatório de frases. Escrever é sobre intenção, escolha, visão e, acima de tudo, talento. Mas vamos por partes.

Peguemos num caso real – ou melhor, num caso imaginário, mas que é tão realista que qualquer pessoa que tenha passado cinco minutos na internet já viu um igual. Digamos que temos aqui o António. O António não é propriamente um grande leitor, mas sempre sonhou ser escritor. Na verdade, ele gosta da ideia de ser escritor. Escrever, propriamente dito, já lhe dá mais trabalho. Mas, por sorte, descobriu um guru da internet que lhe garante que escrever um livro é a coisa mais fácil do mundo. “Publica na Amazon e começa a ganhar dinheiro enquanto dormes!” dizem-lhe. E o António, que tem dois neurónios a debater-se sobre se isto será mesmo verdade, decide arriscar.

Então, como faz o nosso António? Fácil. Vai ao ChatGPT, escreve um prompt tipo “Cria um romance emocionante sobre um detetive alcoólico que descobre uma conspiração internacional” e deixa a magia acontecer. A IA cospe três mil palavras em segundos. Ele até se emociona. “Isto é que é escrever”, pensa. Passa um pente fino no texto, faz umas correções, mete uma capa criada por outra IA qualquer e publica no Kindle Direct Publishing.

Agora, senta-se e espera. Afinal, os milhões estão a caminho.

Dias depois, o António vai à Amazon verificar as vendas. Um exemplar comprado! Ele quase sente o cheiro do sucesso. Abre o Kindle e vê que a única compra foi feita por ele próprio, num acesso de entusiasmo. Bom, deve ser questão de tempo. Mas os dias passam, as semanas passam, e nada. Depois começam a aparecer as primeiras críticas. “Texto sem alma”, diz um. “História genérica e previsível”, escreve outro. “Isto foi escrito por uma IA, não foi? Patético”, atira um terceiro, sem dó nem piedade.

E é aqui que o António percebe que talvez, só talvez, tenha sido enganado. O seu “livro” não é um livro. É um amontoado de frases previsíveis, sem vida, sem autenticidade, sem uma centelha de génio. Não tem uma voz, não tem um ponto de vista, não tem uma história que valha a pena ser lida.

Ah, mas o António não se dá por vencido! O guru disse que a solução é volume. “Publica um livro por semana e os leitores vão atrás!”, garantiu-lhe o iluminado que vive de vender cursos e não de escrever livros. Então, lá vai o nosso António criar mais romances genéricos, na esperança de que, por puro milagre estatístico, algum deles se torne viral. Spoiler alert: não acontece.

E porque não acontece? Porque ninguém, absolutamente ninguém, quer ler um livro que não tenha sido escrito por um ser humano que tenha algo para dizer. A literatura, meus caros, não se trata apenas de contar histórias, mas de contar histórias de uma forma que nos faz sentir algo. Um bom escritor sabe escolher as palavras certas, o tom certo, a cadência certa. Sabe criar tensão, despertar emoção, jogar com a antecipação do leitor. A IA? A IA junta frases de forma mecanicamente lógica, sem qualquer noção de arte ou intenção.

Agora, vejamos um exemplo prático, porque eu sei que há sempre quem precise de uma demonstração concreta para perceber o desastre. Pegamos num parágrafo gerado por IA:

"O detetive João Albuquerque entrou no bar. Pediu um whisky. Estava cansado. A sua investigação tinha sido difícil. Olhou para o espelho atrás do balcão e viu o seu próprio reflexo. Perguntou-se o que estava a fazer ali. De repente, a porta abriu-se e um homem misterioso entrou."

Fantástico, não é? Uma cena escrita por um estagiário inexperiente ou por uma IA, que vai dar ao mesmo. Frases curtas, mecânicas, sem ritmo. Sem profundidade psicológica, sem atmosfera, sem identidade. Agora, vejamos como um escritor de verdade poderia pegar na mesma cena e torná-la digna de leitura:

"O bar estava mergulhado numa penumbra morna, onde o cheiro a álcool velho se misturava com o fumo de cigarros amassados no cinzeiro. João Albuquerque deslizou para o banco junto ao balcão e sinalizou ao barman com um aceno discreto. Um whisky. Sem gelo. O líquido dourado queimou-lhe a garganta, mas não o suficiente para apagar o gosto amargo do fracasso. O espelho à sua frente devolveu-lhe um rosto cansado, um olhar que já vira demasiado. E então, a porta rangeu atrás de si. Um homem entrou, passos firmes, olhar de quem sabia demasiado. A noite prometia complicar-se."

Vês a diferença? Um texto tem textura, tem atmosfera, tem um ritmo que conduz o leitor. O outro parece um relatório de um robô a descrever eventos de forma mecânica. O problema é que há quem não perceba esta diferença, e acredite que escrever é só despejar palavras alinhadas num documento. Como se a magia de um grande livro se resumisse a seguir uma fórmula pré-definida.

O que nos leva a outra questão: quem é que compra estes livros? Porque, sim, há quem compre. Mas não são leitores fiéis. São vítimas do marketing enganador, pessoas que pensam estar a adquirir um livro genuíno e que, depois de algumas páginas, percebem que caíram numa armadilha. E que fazem? Deixam críticas arrasadoras, exigem reembolsos, e nunca mais confiam no autor. E pronto, lá se vai a reputação.

O triste é que, enquanto o António está aqui a apanhar pancada da realidade, o guru da internet já está a vender outro curso, prometendo uma nova técnica infalível para a riqueza instantânea. E há sempre novos Antónios dispostos a pagar para acreditar.

A verdade? Não há atalhos para a literatura. Escrever um livro que valha a pena exige tempo, dedicação e, acima de tudo, talento. Se achas que uma IA pode substituir isso, parabéns: acabaste de admitir que não tens nada a dizer e que o teu único objetivo é enganar leitores desavisados.

Mas, ei, cada um faz as suas escolhas. Podes continuar a acreditar na fábula do best-seller automático, ou podes aceitar a verdade e começar a trabalhar para te tornares um escritor de verdade. A decisão é tua.

Toda história, ou lembramos isto ou estamos a pular de um penhasco,  do épico mais grandioso à piada de taberna, tem estrutura. É como uma receita de bolo: pode ser simples ou sofisticada, mas há sempre um processo subjacente. O problema? A IA não cozinha. No máximo, mistura uns ingredientes sem entender o sabor final. E, infelizmente, muitos autores inexperientes fazem o mesmo. Acham que estruturar um livro é simplesmente despejar palavras e torcer para que a coisa faça sentido. Não faz.

Há um conceito fundamental para compreender a macroestrutura narrativa: os image schemas. Se nunca ouviste falar disso, já começo a desconfiar das tuas leituras, mas vá, eu explico. São padrões cognitivos básicos que usamos para estruturar significado. São os “esqueletos invisíveis” da narrativa, moldando como organizamos ideias, transições e progressões dentro de uma história. Não perceber isso é como tentar construir uma casa sem saber o que são paredes e vigas.

Pensa comigo: quando lês uma história e sentes que há um fluxo natural, que as ideias se encaixam sem esforço e que o desenvolvimento faz sentido, isso acontece porque o autor aplicou de forma inconsciente (ou estudada) certos esquemas mentais universais. Se uma IA soubesse fazer isso bem, não teríamos as pérolas sem sentido que vemos por aí. Mas já lá vamos.

A DESGRAÇA DA NARRATIVA ARTIFICIAL

O que acontece quando alguém pede a uma IA para “escrever um romance emocionante”? Ela cospe uma sequência linear de eventos sem qualquer nuance estrutural. No máximo, usa padrões estatísticos básicos para imitar o que leu. Mas aqui está o problema: narrativa não é só “o que acontece”, mas como acontece e por que acontece.

Por exemplo, um erro clássico da IA (e de autores amadores que acham que escrever é só juntar frases) é ignorar a estrutura source-path-goal (origem-caminho-objetivo), que é um dos image schemas mais fundamentais. É a base de qualquer narrativa envolvente. Em histórias bem construídas, um protagonista parte de um estado inicial (source), enfrenta desafios num percurso de transformação (path) e chega a um desfecho significativo (goal). A IA, no entanto, costuma criar tramas onde nada evolui, porque ela não percebe causalidade verdadeira.

Exemplo prático:

História gerada por IA:

Joana queria ser médica. Então, ela estudou e se tornou médica.

Fim.

Agora, vejamos como um escritor de verdade construiria isso:

História escrita por um ser humano:

Joana sempre sonhou em ser médica, mas cresceu numa vila onde o ensino era precário. Para estudar, precisava caminhar oito quilómetros por dia até a escola mais próxima. Cada página do seu caderno era aproveitada até o limite. Quando finalmente conseguiu uma bolsa para a universidade, a adaptação à cidade grande foi brutal. Durante o curso, perdeu a mãe, teve de trabalhar à noite e quase desistiu. Mas, no dia da sua formatura, olhou para o diploma e lembrou-se dos dias em que estudava à luz de velas.

Percebes a diferença? Na primeira versão, temos um “input-output” básico, sem textura narrativa. Na segunda, aplicamos o esquema source-path-goal, com obstáculos, crescimento e uma jornada emocionalmente ressonante.

Agora, vejamos o que acontece quando a IA tenta forçar complexidade:

História gerada por IA tentando parecer inteligente:

Joana sonhava em ser médica, mas foi sequestrada por piratas. Depois escapou, encontrou um mapa do tesouro, lutou contra um polvo gigante e, no final, tornou-se médica.

Parece que está tudo lá: desafios, uma jornada, um final. Mas há um problema estrutural grave: os obstáculos são aleatórios e não estão organicamente ligados ao objetivo final. O que é que piratas têm a ver com medicina? Por que razão a personagem muda de um contexto para outro sem conexão lógica? Isso é a típica escrita gerada por quem não sabe o que está a fazer.

A macroestrutura de uma história não é um conjunto aleatório de eventos. Os elementos narrativos precisam estar ligados de forma coerente. Os desafios têm de contribuir para a evolução do personagem, e não serem apenas enfeites. A IA não compreende esse princípio. E, pelo número de livros ruins que vejo na Amazon, desconfio que muita gente também não.

A MENTIRA DO PROTAGONISTA QUE “SÓ PRECISA DE UM CONFLITO”

Outro problema clássico de narrativas artificiais (e de escritores preguiçosos) é a falta de estruturação de personagens. Toda boa história se constrói em torno de um protagonista que enfrenta mudanças internas e externas. O problema? A IA (e os escritores sem noção) tratam o conflito como um obstáculo externo, sem compreender que as melhores histórias vêm do conflito interno.

Exemplo banal:

Versão escrita por IA ou por um autor inexperiente:

Tiago era um advogado de sucesso. Um dia, perdeu um caso importante e ficou triste. Mas, no final, ganhou um outro caso e ficou feliz outra vez.

O problema? O Tiago do início e o Tiago do final são a mesma pessoa. Nada mudou. O conflito não gerou transformação. Agora, vejamos um escritor que sabe o que está a fazer:

Versão escrita por um autor que entende narrativa:

Tiago era um advogado obcecado pelo sucesso, disposto a sacrificar tudo para ganhar casos. Mas quando perdeu um julgamento crucial, percebeu que tinha negligenciado a família, os amigos e até a sua própria ética. Pela primeira vez, questionou o que realmente significava vencer.

Aqui temos um conflito real. Não se trata apenas do que acontece, mas do que isso significa para o protagonista. O desafio afeta quem ele é. A IA não consegue fazer isso de forma natural porque não tem intuição narrativa.

A ESTRUTURA NÃO É NEGOCIÁVEL

Não é à toa que as grandes narrativas seguem padrões. Não significa que todas as histórias tenham de ser iguais, mas os esquemas subjacentes à cognição humana fazem com que algumas estruturas funcionem melhor do que outras.

E a conclusão inevitável? A IA não percebe isso. Nem os escritores que acham que escrever um livro é só “inventar uma história”. Se não compreendes estrutura narrativa, se não dominas os image schemas que fazem um enredo ter impacto, então não esperes que um leitor te leve a sério.

Quer escrever um livro que não seja uma vergonha? Aprende narrativa. Entende que uma história é mais do que um conjunto de acontecimentos soltos. E, acima de tudo, percebe que não há atalhos para criar algo que valha realmente a pena ler. Se achas que a IA pode substituir isso, parabéns: acabaste de confessar que não tens nada de relevante para dizer.

A tua história, devo dizer, não acontece no vácuo, NUNCA acontece no vácuo. Os teus leitores não são páginas em branco que absorvem cada palavra com devoção religiosa. Eles chegam à tua narrativa trazendo um cérebro já treinado para reconhecer padrões, encaixar eventos em estruturas familiares e decidir, sem qualquer piedade, se o que estão a ler faz sentido ou não. E é aqui que entram os esquemas de imagem—e onde muita gente falha miseravelmente ao achar que escrever é só despejar palavras como quem atira arroz numa boda.

Na literatura, e na vida, as nossas mentes não processam informação de forma aleatória. Nós usamos estruturas cognitivas predefinidas para organizar o mundo à nossa volta, para compreender relações de causa e efeito, para perceber se um personagem está a avançar na história ou apenas a fazer hora extra na tua página sem acrescentar rigorosamente nada. É por isso que as narrativas seguem padrões específicos e que, se não os respeitares, corres o risco de criar um livro tão envolvente quanto um manual de instruções de uma torradeira.

Pensa nisto: quando lês uma história, o teu cérebro não vê só palavras. Ele constrói um modelo mental do que está a acontecer. Por exemplo, se eu disser “Ele avançou pela floresta escura, sentindo o peso de algo invisível nas costas”, o teu cérebro já está a trabalhar em alta velocidade. Estás a visualizar um caminho, estás a sentir a força dessa coisa invisível, estás dentro do espaço contido que a floresta representa. Estes são os esquemas de imagem—padrões universais de perceção e cognição que fazem com que um texto tenha peso emocional e lógico.

E é aqui que a IA (e escritores amadores) falham miseravelmente. Porque um esquema de imagem não é só um monte de palavras bonitas juntas. Ele precisa de coesão, de um propósito, de um ritmo. Se a tua narrativa não respeitar esses princípios, vais acabar com um livro que parece uma reunião de frases que nunca se apresentaram umas às outras.

UM EXEMPLO DESASTROSO

Vamos pegar num texto típico gerado por IA e ver o que acontece quando alguém que não entende de narrativa acha que pode escrever um romance:

"John correu através da tempestade. Estava escuro. Ele sentiu medo. Mas ele sabia que tinha que continuar. O tempo estava contra ele. O vento uivava. O destino estava à sua frente."

Agora, vamos olhar para isto com olhos de gente.

Primeiro, isto parece uma pilha de afirmações soltas, sem qualquer fluidez. O leitor está a ser atirado de frase em frase como uma bola de pingue-pongue. Não há força de progressão—o que significa que a ação não está a criar impacto. O conceito de caminho (que é fundamental em narrativas de aventura) está ali, mas está tão fraco que parece um corredor de maratona sem café. E onde está a contensão? Onde está o peso do que o John está a atravessar? Porque é que este texto não causa qualquer sensação de urgência?

Agora vejamos como um escritor consciente dos esquemas de imagem reescreveria esta cena:

"A chuva cortava-lhe o rosto como lâminas frias, e cada passo na lama fazia os seus músculos gritarem por descanso. À frente, entre as sombras, a única luz que via era um relâmpago rápido, desenhando por um segundo a silhueta do seu destino. Ele não podia parar agora. Mesmo que o medo lhe subisse pelo peito como uma mão invisível, apertando-lhe a garganta."

Aqui há força. Há um caminho. Há uma contensão (a tempestade, o medo, o corpo a resistir). A diferença é óbvia. No primeiro exemplo, temos um amontoado de palavras. No segundo, temos uma experiência sensorial que o leitor sente na pele. É aqui que a narrativa ganha poder.

COMO ISTO SE APLICA AO TEU LIVRO?

Se a tua história não respeitar a estrutura cognitiva do leitor, vais ter um problema. Um grande problema. Porque quando um livro não cria imagens claras e emocionalmente relevantes na mente do leitor, ele não se conecta com o texto. E quando não há conexão, o que acontece? O livro é abandonado na terceira página e tu levas uma avaliação de uma estrela com um comentário passivo-agressivo do tipo: "Esperava mais deste livro. A história não me prendeu."

E queres saber o que dói mais? O leitor não sabe exatamente porquê que o teu livro falhou. Ele só sabe que falhou. Porque não há imagem mental forte o suficiente para o fazer querer continuar.

Isto acontece todos os dias. Quantos livros encontras na Amazon, com capas bonitinhas e títulos chamativos, mas que, ao abrires, são uma coleção de frases desconexas, sem qualquer fluxo narrativo? Demasiados. Porque o problema não é a escrita ser tecnicamente correta. O problema é a escrita ser vazia de estrutura cognitiva real.

COMO EVITAR ESTE ERRO?

Primeiro, percebe que a narrativa é feita de três princípios fundamentais: FORÇA, CAMINHO e CONTENÇÃO.

  • FORÇA: A progressão da história. Os eventos precisam de criar um impulso. Um personagem não pode apenas existir na página—ele precisa de ser empurrado por algo maior do que ele. Pode ser um conflito interno, uma ameaça externa, ou até mesmo um simples desejo que o move para a frente.
  • CAMINHO: O trajeto que o personagem percorre. Não é só onde ele vai fisicamente, mas a evolução emocional, psicológica e narrativa que ele sofre. Se o leitor não sente que há um destino a ser alcançado, a história perde impacto.
  • CONTENÇÃO: As barreiras, os limites. Sem obstáculos, sem pressões, sem dificuldades reais, a história desaba. Ninguém quer ler sobre um protagonista que consegue tudo facilmente. Os limites tornam a progressão valiosa.

Se pensares nestes três princípios, vais evitar a típica armadilha do escritor de IA ou do autor amador que acha que escrever um livro é só juntar frases feitas e torcer pelo melhor.

UM TESTE PARA TI

Pega num parágrafo do teu livro. Agora, lê-o e pergunta-te: se eu apagasse este trecho, faria alguma diferença? Se a resposta for “não”, então o parágrafo não tem FORÇA, CAMINHO OU CONTENÇÃO. E se não tem isso, é porque não faz nada pelo teu leitor.

Se queres escrever um livro comercialmente viável, não basta teres um começo, meio e fim. Precisas de garantir que cada cena faz algo real na mente do leitor. Caso contrário, vais acabar na pilha de livros esquecidos, enterrado debaixo de um milhão de histórias geradas por IA que também ninguém quis ler.

E se ainda tens dúvidas, faz um favor a ti próprio e lembra-te: escrever é construir uma experiência mental, não atirar palavras para um papel e rezar por um milagre.

Repito aqui o que vivo a repetir nos meus cursos, lives e palestras: se escrever um livro fosse só despejar palavras como quem espalha confettis no Carnaval, qualquer um que soubesse juntar sujeito e predicado seria um escritor publicável. Mas, infelizmente (ou felizmente), escrever um livro que prenda o leitor exige muito mais do que apenas cuspir frases bonitinhas. O verdadeiro desafio não é apenas contar uma história—é dar a ela uma espinha dorsal, um fluxo irresistível, um encadeamento que obriga o leitor a continuar sem perceber que já passou da hora de dormir.

E aqui chegamos a uma das maiores falhas da escrita gerada por IA e dos autores amadores que acham que uma história acontece por acidente. Porque, meus caros, uma narrativa sem estrutura é como um bolo sem fermento—parece bom na teoria, mas na prática, desmorona e fica uma coisa intragável.

Se alguma vez já leste um livro e sentiste que a história estava a empurrar-te para a frente, com aquela sensação de urgência que te faz virar páginas como se estivesses a fugir de um incêndio, podes ter a certeza de que aquele autor sabia o que estava a fazer. Ele compreendia que a narrativa precisa de seguir um movimento inevitável, algo que não pode parar a meio sem matar o impacto.

O problema de muita gente—e quando digo "muita gente" quero dizer aqueles escritores que acreditam que podem escrever sem esforço—é que esquecem que um livro não se sustenta apenas em personagens, diálogos e descrições poéticas. Ele precisa de FORÇA, CAMINHO e CONTENÇÃO. Sim, estes são os três pilares que determinam se a tua história é uma locomotiva imparável ou apenas um comboio avariado parado na linha.

COMO MATAR A PRÓPRIA HISTÓRIA ANTES DA PÁGINA 20

Se queres ter a certeza de que ninguém vai ler o teu livro até ao fim, segue estes passos infalíveis:

  1. Escreve cenas que não levam a lado nenhum. Introduz um personagem secundário que não faz absolutamente nada pela trama. Deixa os protagonistas a passear sem qualquer objetivo definido. Os leitores adoram perder tempo, não é?
  2. Não defines um conflito claro. Tens um protagonista, tens um cenário, mas esqueceste de uma coisinha pequena chamada “motivação”. Parabéns, criaste um boneco ambulante sem alma, que vagueia pelas páginas sem um propósito definido. É como ver um peixe fora de água—mas sem a parte engraçada.
  3. Faz os personagens resolverem os problemas com facilidade. Ele estava perdido na floresta? Mas afinal havia uma saída logo ali atrás. Estava encurralado pelo vilão? Ah, mas alguém aparece do nada e salva o dia. O leitor gosta de tensão, e tu decides entregar tudo de bandeja.
  4. Escreve como se estivesses a preencher um relatório. Nada de imagens, nada de sensações, nada de criar uma experiência mental. O teu livro não é um boletim meteorológico, mas tu insistes em descrevê-lo com o mesmo entusiasmo de quem anuncia a previsão da temperatura mínima.

Agora vejamos um exemplo antes e depois, para perceberes o que estou a dizer.

ANTES:

"João entrou no quarto e viu Maria a chorar. Perguntou-lhe o que aconteceu. Ela disse que estava triste porque perdeu o emprego. João sentou-se ao lado dela e tentou animá-la. Disse que tudo ia correr bem."

Lindo. Fantástico. Uma cena emocionante—se fosse um guião para um vídeo motivacional de três minutos. Mas para um romance, isto é tão impactante quanto um mosquito a bater numa janela.

Agora vejamos um exemplo onde FORÇA, CAMINHO e CONTENÇÃO são respeitados:

DEPOIS:

*"João abriu a porta devagar. O quarto estava escuro, mas conseguiu ver Maria encolhida no canto, os ombros a tremer em soluços silenciosos. Ele hesitou. Nunca soube o que dizer nestes momentos. Avançou devagar, como se o chão fosse vidro fino, e sentou-se ao lado dela. Ela não levantou o olhar, mas a sua respiração trémula denunciava o esforço para manter a compostura.

— Maria… o que foi?

Silêncio. Depois, num fio de voz quebrada:

— Fui despedida.

A palavra caiu entre eles como uma pedra atirada a um lago. João fechou os olhos por um segundo, sentindo o peso daquilo. Não havia frases feitas que resolvessem aquilo. Apenas ficou ali, uma presença silenciosa, a sua mão quente sobre a dela."*

O que mudou? TUDO. Agora há tensão, há um peso emocional real. O leitor sente a cena, não apenas a lê. Ele vê o espaço, sente o impacto da revelação, percebe a hesitação do protagonista.

E aqui está o grande problema da escrita de IA e da escrita amadora: elas não criam EXPERIÊNCIA. O leitor não está apenas a ler palavras—ele está a construir um filme mental. Se a tua escrita não lhe der material para isso, ele vai largar o teu livro como um saco de batatas estragadas.

COMO NÃO ESCREVER UM LIVRO QUE VAI DIRETO PARA O ESQUECIMENTO

Já deves ter percebido o problema. Agora, como resolvê-lo? Simples: antes de escrever, percebe a mecânica da tua própria história.

Pergunta-te:

  1. O meu protagonista tem um objetivo claro ou está apenas a vaguear pela narrativa como um turista perdido?
  2. Cada cena tem um propósito real? Ela move a história para a frente ou é apenas enchimento?
  3. Estou a criar conflito genuíno, ou tudo se resolve de maneira conveniente e sem emoção?

Se a resposta a qualquer uma destas perguntas for “não sei” ou “nem pensei nisso”, então é melhor parar por aqui e repensar a tua abordagem.

Não importa se és um escritor iniciante ou se já tens um monte de palavras escritas. Se a tua história não tiver um fio condutor, ninguém vai querer seguir o caminho contigo.

E é por isso que, ao contrário do que te dizem os "gurus da escrita fácil", publicar um livro é fácil—mas escrever um livro que vale a pena é outra história.

Queres que o teu livro se destaque? Dá ao leitor algo para sentir, para visualizar, para se envolver. Caso contrário, bem… prepara-te para ver o teu nome numa pilha digital de "ninguém se lembra deste autor".

A boa notícia é que escrever um livro ruim não exige talento. Na verdade, é provavelmente a única área da vida aonde a incompetência vem com facilidade. Se te esforçares minimamente, és capaz de criar algo tão inexpressivo que faria um manual de instruções de máquina de lavar parecer literatura premiada.

Agora, escrever um livro que alguém queira ler já é outra conversa. E, se chegaste até aqui, é porque pelo menos desconfias que mandar um prompt para a IA e publicar qualquer lixo mal formatado no Kindle não é exatamente a receita para a fama literária. Boa notícia: ainda há esperança para ti. Má notícia: isso significa que vais ter que realmente trabalhar na tua escrita.

Pega numa cadeira confortável e respira fundo. Porque agora vamos falar sobre os golpes finais que a IA, os gurus do marketing literário e o teu próprio entusiasmo ingênuo estão a dar na tua história—e como evitar cair nesses buracos de forma tão patética que nem o teu gato se dignaria a passar a pata por cima do teu manuscrito.

SE A TUA HISTÓRIA NÃO TEM ALMA, NINGUÉM SE IMPORTA

Se um livro fosse apenas uma sequência lógica de acontecimentos, um robot poderia escrevê-lo e pronto. Mas um livro não é um aglomerado de frases bem estruturadas. É uma experiência emocional. E a IA, que nunca chorou com um final trágico, nunca riu de um diálogo afiado e nunca sentiu um arrepio ao ler uma reviravolta inesperada, simplesmente não consegue criar isso.

Os livros gerados por IA falham porque não sabem por que um leitor se importa. Eles despejam cenas como quem atira dados sobre uma mesa, mas esquecem que cada cena precisa de um motivo para existir.

Exemplo do crime sendo cometido:

"Alice caminhava pela floresta. Estava frio. A lua brilhava no céu. Ela pensou no que fazer a seguir."

Ótimo. Quer dizer, ótimo se a intenção fosse descrever um robô a tentar criar literatura sem sucesso. Agora vejamos o que um escritor de verdade faria:

"A neblina rastejava entre as árvores, transformando sombras em monstros. Alice puxou o casaco para junto do corpo, mas não era o frio que a fazia tremer. Se seguisse em frente, não haveria volta. Mas se parasse… não valia a pena pensar nisso. Ela prendeu a respiração e deu o primeiro passo."

Aqui, temos uma decisão emocional, um ambiente carregado de tensão e uma razão para o leitor se importar. E é aqui que a escrita real se distingue do lixo automatizado: o leitor sente a história, em vez de apenas lê-la.

O PESADELO DOS DIÁLOGOS ARTIFICIAIS

Outro problema clássico da escrita pobre—e um campo de destruição da IA—é o diálogo robótico. Se já leste um livro ruim, sabes do que estou a falar. Os personagens falam como quem está a tentar vencer um campeonato de frases óbvias e sem vida.

Exemplo:

— Estou muito chateado contigo.

— Por quê?

— Porque fizeste algo que me magoou.

— Sinto muito.

— Está bem, perdoo-te.

Ah, maravilhoso. Parece uma cena entre duas almofadas a discutir quem é mais fofinha.

Agora vejamos o que acontece quando há vida num diálogo:

— A sério, Pedro? A sério que fizeste isso?

— Não sei do que estás a falar.

— Claro que sabes. Só não queres admitir.

— Se soubesse, não achas que diria?

— Não. Acho que continuarias a fingir que és mais esperto do que és.

Aqui, os personagens falam como pessoas reais. Há conflito, há tensão, há personalidade. Se os teus diálogos soam como mensagens automáticas de atendimento ao cliente, então talvez seja hora de aceitar que a escrita não é tão fácil quanto imaginaste.

A ESTRUTURA QUE SEGURA A HISTÓRIA—OU FAZ COM QUE ELA DESMORONE COMO UM CASTELO DE CARTAS

A maior ilusão dos autores sem noção e dos utilizadores de IA é que basta acumular palavras para ter uma história. Como se encher páginas fosse o mesmo que construir uma trama coerente.

Uma boa história é construída como um edifício sólido. Precisa de fundação, pilares, estrutura e acabamento.

Se a tua história começa sem um rumo definido e os eventos simplesmente acontecem sem qualquer progressão lógica, parabéns! Criaste um daqueles pesadelos que fazem os leitores desistirem à terceira página.

Exemplo:

"Laura acordou e foi à padaria. Comprou pão. Depois, lembrou-se que precisava de leite. Voltou para casa e assistiu a televisão. Então, de repente, recebeu uma mensagem misteriosa."

A sério? Como é que alguém aguenta ler isto sem se sentir fisicamente ofendido? Agora vejamos como isso pode ser reescrito com um sentido narrativo:

"Laura detestava acordar cedo, mas naquele dia algo a incomodava. Acordou antes do despertador e saiu para a padaria sem motivo aparente. Quando chegou, percebeu um estranho a observá-la do outro lado da rua. Ela ignorou, pagou pelo pão e, ao sair, encontrou um envelope no para-brisa do carro. Dentro, um bilhete: 'Não vás para casa'."

Agora há intriga, intenção, tensão. O leitor quer saber o que vai acontecer a seguir. E é exatamente isso que a IA—e escritores sem qualquer noção—não conseguem construir.

O FIM DA ILUSÃO

Finalmente compreendeste que escrever um livro exige domínio narrativo, consciência estrutural e um profundo entendimento da mente do leitor? Então há esperança para ti. No fim das contas, há dois tipos de pessoas: os que querem ser chamados de escritores sem fazer o trabalho, e os que realmente escrevem. Se pertences ao primeiro grupo, ótimo, continua a despejar texto sem alma e a acreditar em atalhos mágicos. Mas se pertences ao segundo grupo, então sabe que a única forma de criar um livro que realmente importe é arregaçar as mangas e fazer o trabalho que precisa de ser feito. Porque no fim, um livro ruim não fala apenas da tua escrita. Ele diz muito mais sobre ti, sobre a tua visão do mundo e, pior ainda, sobre o respeito (ou falta dele) que tens pelo leitor. Então escolhe: queres ser um autor de verdade ou só mais um nome esquecido na pilha do descartável?



JAMES MCSILL 18 de fevereiro de 2025
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POR QUE O MEU LIVRO ESCRITO POR IA É UMA PORCARIA (E O QUE ISSO DIZ SOBRE MIM?)