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«Jornadas de Heróis»: como usar os sonhos para fugir dos clichés e produzir histórias brilhantes

Muitos acreditam que contar uma boa história é apenas questão de talento ou intuição, mas não é bem assim. Há estrutura, método e refinamento. E entender esse processo é o primeiro passo para transformar qualquer narrativa – seja um romance, um conto, uma apresentação corporativa ou uma negociação – em algo que realmente impacta.

Toda história bem contada parte de um protagonista que deseja algo e enfrenta obstáculos para conseguir. Pode parecer simples, mas esse princípio básico é a espinha dorsal de qualquer narrativa que funcione. Ainda assim, não basta apenas ter um personagem e um conflito. É preciso saber como estruturá-los para que a história avance organicamente, capturando a atenção e gerando envolvimento emocional. Sempre que analiso uma história, seja minha ou de outra pessoa, me pergunto: “Quem é esse personagem? O que ele quer? O que está no caminho dele? O que acontece se ele falhar?” Essas perguntas servem como um farol, iluminando os pontos essenciais para manter a trama coerente e poderosa.

Muitas vezes, escritores iniciantes – e até experientes – tropeçam porque começam com uma ideia vaga, sem definir o motor emocional da história. Lembro-me de um autor que me procurou com um manuscrito que, à primeira vista, parecia promissor. Havia cenas bem escritas, personagens intrigantes, mas algo não fluía. Ao longo da leitura, percebi que a história não sabia para onde ia. O protagonista vagava sem propósito claro, e isso tornava tudo desinteressante. O erro? Não havia um desejo forte impulsionando a narrativa. Quando ajustamos isso – definimos uma necessidade urgente para o personagem e alinhamos os conflitos de forma lógica – o livro ganhou vida.

Esse princípio também se aplica fora da ficção. Em apresentações corporativas, por exemplo, quantas vezes vemos palestrantes despejando dados, gráficos e estatísticas sem nenhuma conexão emocional? O público se dispersa porque falta uma estrutura narrativa que os envolva. Uma vez, fui chamado para ajudar um executivo a aprimorar sua apresentação de vendas. Ele dominava o conteúdo, mas sua fala parecia um relatório técnico. Propus que ele iniciasse com uma história real de um cliente que enfrentava dificuldades antes de descobrir a solução que ele oferecia. Esse pequeno ajuste mudou tudo. De repente, a audiência estava investida no problema, curiosa para saber como a história terminaria. E o que aconteceu? A taxa de conversão daquela apresentação aumentou significativamente.

Editar histórias é outro ponto crucial. Muitas vezes, acreditamos que o primeiro rascunho já contém a essência do que queremos dizer, mas a verdade é que uma boa história é, na maioria das vezes, reescrita até encontrar sua melhor forma. Quando escrevo um novo livro ou artigo, sempre deixo o texto descansar antes de revisar. Esse distanciamento permite ver falhas na estrutura, diálogos que poderiam ser mais impactantes e cenas que precisam ser ajustadas. Um truque simples, mas poderoso, é ler o texto em voz alta. Esse exercício revela repetições desnecessárias, frases truncadas e partes que não fluem bem. Se algo soa estranho ao ouvido, é porque provavelmente não funciona na página.

Uma das armadilhas mais comuns ao contar histórias – sejam elas ficcionais ou não – é o excesso de exposição. Já aconteceu de eu ler textos onde os personagens diziam exatamente o que sentiam, sem que a cena permitisse ao leitor sentir por si mesmo. Isso mata a experiência. O melhor storytelling é aquele que permite ao público inferir emoções e descobrir significados através da ação e do subtexto. Um dos meus autores favoritos sempre dizia que, se você quer mostrar que um personagem está triste, não escreva "ele estava triste". Mostre-o olhando para um par de sapatos infantis guardados há anos, ou fechando os olhos por um segundo a mais antes de responder uma pergunta. O mesmo princípio vale para discursos e apresentações. Em vez de dizer "nosso produto é revolucionário", mostre uma história de como ele transformou a vida de alguém.

A jornada do herói, um dos modelos narrativos mais usados, também é uma ferramenta poderosa para estruturar histórias. Seja na criação de um romance épico ou na construção de um pitch de vendas, entender como um protagonista sai de um estado inicial de conforto, enfrenta desafios e retorna transformado é essencial para manter a atenção do público. Penso em um caso específico em que apliquei essa estrutura para ajudar uma startup a se posicionar no mercado. Eles tinham um ótimo produto, mas sua comunicação era dispersa. Sugerimos que recontassem sua trajetória como uma jornada: como um problema os levou a buscar uma solução, os desafios enfrentados e como superaram tudo para oferecer algo único. Esse ajuste trouxe uma identificação imediata com os clientes, que se viram refletidos nessa narrativa e passaram a confiar mais na marca.

Cada história precisa de um ritmo certo. Muitas falham porque ou são apressadas demais, sem espaço para a emoção crescer, ou se alongam tanto que perdem impacto. Sempre digo que uma boa história respira. Se um momento de tensão precisa ser reforçado, talvez um pequeno silêncio narrativo – um detalhe, um desvio breve – ajude a amplificá-lo. No cinema, diretores fazem isso magistralmente. Pense nas pausas antes de uma revelação, nos segundos de silêncio antes de um tiro ser disparado. Na escrita, podemos criar esses efeitos com a escolha precisa de palavras, cortes estratégicos entre cenas e variação no ritmo das frases.

Uma última reflexão que sempre compartilho quando ensino storytelling é que toda história tem um subtexto, algo que pulsa por baixo da superfície e dá profundidade ao que é contado. Se um romance fala sobre a busca por um amor, talvez no fundo seja sobre identidade. Se um conto narra a fuga de um prisioneiro, pode ser uma história sobre esperança. O mesmo acontece no mundo dos negócios. Um discurso de vendas, no fundo, não é sobre o produto, mas sobre a mudança que ele traz para a vida do cliente. Se entendemos isso, aprendemos a contar histórias que ressoam em um nível mais profundo.

Ao longo dos anos, percebi que contar histórias não é apenas uma habilidade – é uma ferramenta poderosa para moldar o mundo à nossa volta. Quando dominamos esse ofício, passamos a influenciar mais, persuadir com mais eficácia e, acima de tudo, criar conexões genuínas. Porque, no fim, não são os fatos isolados que nos marcam, mas as histórias que damos a eles.

A imaginação, afinal, sempre foi o motor da humanidade. Sem ela, não haveria invenções, arte ou qualquer forma de progresso. Mas existe um lugar onde essa imaginação opera sem freios, onde não há barreiras da lógica ou restrições do senso comum: o mundo dos sonhos. Durante o sono, nossa mente abandona as amarras do cotidiano e se entrega a narrativas que desafiam as regras conhecidas. Podemos voar, encontrar pessoas que já se foram, visitar lugares impossíveis e viver realidades que nunca experimentamos. É nesse estado que muitas ideias revolucionárias nascem. Mas será que podemos usar esse fenômeno a nosso favor?

Desde os tempos antigos, os sonhos foram interpretados como mensagens divinas, previsões do futuro ou manifestações do inconsciente. Mas hoje sabemos que, mais do que isso, eles são uma forma de o cérebro processar informações, organizar emoções e até simular cenários de risco. No entanto, há algo que a ciência não pode negar: muitas das maiores descobertas e criações da humanidade surgiram em sonhos. Einstein teve insights sobre a Teoria da Relatividade enquanto sonhava. Mary Shelley concebeu Frankenstein após um pesadelo. Salvador Dalí usava técnicas para capturar imagens dos sonhos antes que se dissipassem. E quantas vezes já acordamos com uma solução repentina para um problema que parecia insolúvel no dia anterior? O cérebro, quando livre das amarras da consciência, continua trabalhando, reorganizando peças e explorando caminhos antes invisíveis.

Essa “imaginação sem freio” pode ser um verdadeiro laboratório de criatividade, mas como aproveitá-la na prática? Um dos métodos mais simples é a escrita automática dos sonhos. Mantenha um caderno ao lado da cama e, assim que acordar, escreva tudo o que lembrar, sem filtros ou julgamentos. No início, pode parecer um amontoado de fragmentos desconexos, mas com o tempo você perceberá padrões, símbolos e ideias recorrentes que podem ser aproveitadas. Muitos escritores e roteiristas fazem isso para buscar inspiração.

Lembro-me de um projeto que parecia travado. A história estava ali, mas faltava algo. Havia um nó que não conseguíamos desatar. Naquela noite, sonhei que atravessava uma ponte de cordas, e no meio dela, percebia que estava desfiando, pouco a pouco. Quando acordei, a cena ficou comigo. E então entendi: o personagem principal também precisava ter uma ponte em sua jornada, um momento onde tudo que ele achava seguro começaria a ruir. Essa imagem onírica guiou a solução do enredo, tornando a história muito mais impactante.

Para aqueles que trabalham com storytelling, seja na literatura, no cinema ou até na comunicação corporativa, aprender a acessar essa camada mais profunda do pensamento pode ser um grande diferencial. Quando deixamos de lado a lógica linear e exploramos associações livres, criamos metáforas mais poderosas, personagens mais autênticos e histórias que ressoam de forma mais visceral.

Um dos exercícios que aplico em workshops é a escrita espontânea baseada em imagens oníricas. Peço aos participantes que fechem os olhos por alguns minutos e tentem se lembrar do último sonho que tiveram. Em seguida, os desafio a escrever uma cena a partir dessa lembrança, mas sem tentar dar sentido imediato. A ideia é permitir que o inconsciente se manifeste sem filtros. O resultado costuma ser fascinante. Cenas carregadas de simbolismo, diálogos inesperados e descrições vívidas emergem desse exercício, revelando um lado da criatividade que muitas vezes ignoramos no estado de vigília.

A imaginação sem freio dos sonhos também pode ser aplicada na construção de personagens. Um método interessante é criar perfis psicológicos baseados em símbolos oníricos. Por exemplo, se em um sonho você viu um personagem sempre subindo escadas, mas nunca chegando ao topo, talvez esse seja um arquétipo de alguém que busca algo inatingível, um personagem movido pelo desejo, mas preso em sua própria trajetória. Esses detalhes, quando usados na escrita, dão profundidade aos personagens e os tornam mais autênticos.

No mundo corporativo, esse mesmo princípio pode ser usado para contar histórias mais envolventes. Grandes marcas já fazem isso há anos, usando narrativas carregadas de elementos simbólicos para criar conexões emocionais com o público. Pense nas propagandas de fim de ano que mexem com a nossa nostalgia, nos slogans que evocam sensações específicas, nas campanhas publicitárias que parecem falar diretamente para o nosso inconsciente. Tudo isso é storytelling em um nível profundo, e entender como os sonhos constroem imagens poderosas pode ajudar qualquer comunicador a criar mensagens mais impactantes.

Os sonhos também ensinam algo fundamental sobre storytelling: a importância do inesperado. Muitas histórias caem na previsibilidade porque seguem fórmulas engessadas, sem surpresas reais. Nos sonhos, porém, a lógica se desfaz, e é exatamente isso que os torna tão memoráveis. Um ótimo exercício para escritores é tentar inserir, em suas histórias, um elemento onírico – algo que desafie a expectativa do leitor, mas que faça sentido dentro da lógica interna da narrativa. Pode ser um detalhe surreal, um evento simbólico, um diálogo que flerta com o absurdo. Esses elementos criam camadas e tornam a experiência mais imersiva.

Na minha própria jornada como contador de histórias, percebi que quanto mais me permito explorar esse território da imaginação sem freios, mais rico se torna meu processo criativo. O desafio é encontrar o equilíbrio entre essa liberdade e a necessidade de coerência na narrativa. Sonhos são caóticos por natureza, mas dentro da escrita, eles podem ser moldados, lapidados e transformados em arte.

Ao longo dos anos, fui desenvolvendo técnicas para capturar essas imagens fugidias antes que desapareçam. Além do caderno de sonhos, uma prática interessante é revisar histórias antigas e tentar inserir nelas elementos que remetam a imagens oníricas. Às vezes, um pequeno detalhe pode transformar completamente a atmosfera de um texto. Uma porta que se fecha sozinha, uma cor que só um personagem consegue enxergar, um eco de uma frase dita no passado. Pequenos mistérios que dão à narrativa aquele brilho etéreo que nos faz lembrar de um sonho.

A imaginação sem freio dos sonhos não é apenas um fenômeno da noite. Podemos aprender a trazê-la para o dia, para a escrita, para os discursos e apresentações, para a maneira como contamos histórias ao mundo. E ao fazermos isso, estamos não apenas acessando um nível mais profundo da criatividade, mas também nos conectando com algo essencialmente humano: a capacidade de enxergar além do óbvio, de dar significado ao caos e de criar beleza a partir do inexplicável.

Sonhar, portanto, sempre foi mais do que um simples ato biológico. É um processo de imersão, uma viagem sem controle aparente por territórios desconhecidos, repletos de símbolos, metáforas e emoções cruas. Em algumas noites, os sonhos nos transportam para momentos de puro terror, nos forçando a enfrentar nossos medos mais profundos. Em outras, nos permitem experimentar a criação em sua forma mais pura, nos entregando histórias inteiras, mundos que nunca pisamos e personagens que nunca conhecemos. Há também os sonhos que nos devolvem algo que julgávamos perdido, resgatando memórias e nos reconectando com pessoas e lugares que ficaram para trás. E, em momentos raros e misteriosos, os sonhos parecem nos oferecer respostas – pequenas epifanias que, ao acordarmos, fazem tudo parecer subitamente mais claro.

É fascinante como o cérebro utiliza o sono para simular experiências de risco. Um pesadelo com uma queda, um encontro com um predador, a sensação de estar sendo seguido – são todos ensaios inconscientes de cenários perigosos que preparam nosso sistema para lidar melhor com ameaças reais. Isso não acontece por acaso. Estudos apontam que os sonhos são uma ferramenta evolutiva de sobrevivência. Eles nos ensinam a temer e, ao mesmo tempo, nos ajudam a processar traumas e incertezas. Essa capacidade de antecipação e ensaio de situações complexas se reflete diretamente na forma como contamos histórias. No storytelling, o medo, o risco e o perigo são componentes essenciais. Uma história sem tensão não prende o leitor, não o faz se importar com os personagens, não o envolve emocionalmente. Assim como nos sonhos, na narrativa a construção da ameaça precisa ser genuína, visceral, palpável – mas também simbólica o suficiente para provocar reflexões que vão além da simples ação.

E se os sonhos nos ensinam a temer, também nos ensinam a criar. A mente humana não se limita ao que já conhece, e os sonhos são a prova disso. Nos períodos de sono REM, o cérebro reconstrói fragmentos da realidade e os reorganiza de forma caótica, gerando novas conexões e associações improváveis. O resultado? Imagens surreais, cenários que desafiam a física, personagens impossíveis. Mas, dentro dessa aparente desordem, existe um sentido profundo, um código secreto que pode ser decifrado e usado como ferramenta criativa.

Na prática do storytelling, muitas das melhores ideias surgem desse espaço nebuloso entre lógica e devaneio. Quantos escritores não acordaram no meio da noite com uma cena inteira na cabeça? Quantos roteiristas não tiveram um momento de epifania ao despertar? O desafio é conseguir trazer esses elementos para a narrativa sem que percam a força simbólica. Isso exige um olhar atento para os detalhes e um entendimento profundo da linguagem dos sonhos. Uma maneira eficaz de incorporar esse poder criativo à escrita é o exercício da livre associação. Pegue um sonho que tenha tido e tente transformá-lo em uma cena narrativa. Não se preocupe em torná-lo lógico de imediato. Deixe que a estranheza permaneça, que a metáfora se revele aos poucos. Às vezes, um pequeno detalhe – um objeto incomum, uma cor que se destaca, uma ação que parece deslocada – pode carregar o peso simbólico de toda uma história.

Os sonhos também desempenham um papel essencial na forma como lidamos com a perda. Muitos já experimentaram o reencontro com entes queridos que já partiram, como se, por algumas horas, pudéssemos desafiar as leis do tempo e do espaço para um último momento juntos. Esses sonhos, frequentemente carregados de emoção, oferecem não apenas consolo, mas uma forma de reconciliação, permitindo que fechemos ciclos e nos despeçamos de formas que a realidade não nos permitiu. Não é por acaso que o luto e a memória são temas recorrentes na literatura e no cinema. Através da ficção, conseguimos revisitar histórias interrompidas, dar voz a silêncios, reconstruir o que foi perdido. No storytelling, criar cenas que remetem a essa experiência onírica do reencontro pode ser um recurso narrativo extremamente poderoso. Um personagem que vê um ente querido falecido em um sonho e recebe uma mensagem enigmática; uma memória que se refaz com detalhes vívidos, quase como uma segunda chance. Essas narrativas tocam um ponto sensível na psique humana porque são baseadas em algo que todos já vivemos: o desejo de reencontrar, mesmo que por um instante, aqueles que amamos.

Além de nos ajudar a criar e a processar perdas, os sonhos também têm a função de organizar nossas emoções e resolver problemas. Quantas vezes já fomos dormir angustiados com uma questão e acordamos com uma solução clara? O cérebro continua trabalhando enquanto dormimos, filtrando informações, conectando pontos dispersos e trazendo respostas de forma indireta. Esse processo pode ser explorado de maneira prática para aprimorar qualquer trabalho criativo. Um exercício interessante é anotar uma questão antes de dormir e observar como o cérebro a processa durante a noite. Não se trata de um método infalível, mas frequentemente os sonhos oferecem pistas, pequenas revelações que, ao serem trabalhadas conscientemente, podem levar a grandes insights.

Dentro do storytelling, esse princípio pode ser aplicado na estruturação de narrativas e resolução de impasses criativos. Se uma cena parece não funcionar, se um personagem não encontra seu propósito na trama, às vezes o melhor caminho é simplesmente parar, dar tempo ao inconsciente e permitir que o processo de incubação aconteça. Criar é tanto um ato de controle quanto um ato de entrega. Precisamos saber moldar as palavras, mas também precisamos aprender a ouvir as vozes que falam no silêncio dos sonhos.

Essa combinação de medo, criação, perda e achado é o que torna os sonhos tão fascinantes – e tão essenciais para a arte de contar histórias. Eles são o espaço onde testamos limites, onde enfrentamos nossos próprios demônios e descobrimos novas formas de expressão. São um laboratório de possibilidades infinitas, onde podemos viver múltiplas vidas e experimentar todas as emoções humanas sem consequência real. E é exatamente isso que buscamos no storytelling: uma jornada transformadora, onde cada obstáculo enfrentado tem um significado mais profundo, onde cada escolha molda o protagonista e onde, no final, algo essencial é revelado. Seja no romance, no conto ou na narrativa empresarial, entender a mecânica dos sonhos é entender a essência das grandes histórias.

Afinal, sonhar não é apenas um ato involuntário. É um ensaio para a vida. E cada vez que mergulhamos nesse mundo sem regras, aprendemos um pouco mais sobre quem somos e sobre como contar histórias que ressoam na alma humana.

A relação entre os sonhos e a ciência, como se sabe, sempre foi marcada por um misto de fascínio e ceticismo. Durante séculos, filósofos, médicos e místicos tentaram decifrar os mistérios do sono e das imagens que habitam a mente adormecida. Freud interpretava os sonhos como janelas para o inconsciente, repletas de desejos reprimidos e simbologias ocultas. Jung via neles a manifestação do inconsciente coletivo, onde arquétipos ancestrais se expressavam através de narrativas universais. Mas foi apenas com o avanço da neurociência que começamos a compreender os mecanismos biológicos por trás dessas experiências enigmáticas. Hoje sabemos que os sonhos desempenham um papel fundamental na consolidação da memória, na regulação emocional e até na solução de problemas complexos. E, ao explorarmos essa conexão entre os sonhos e a ciência, encontramos um caminho fascinante para aprimorar nossas habilidades narrativas.

Quando dormimos, nosso cérebro passa por diferentes estágios de atividade. O sono REM, onde os sonhos mais vívidos ocorrem, é um momento de intensa atividade cerebral, quase tão intensa quanto quando estamos acordados. É nesse período que as memórias do dia anterior são reorganizadas, as experiências são processadas e novas conexões são estabelecidas. Isso significa que o ato de sonhar não é um mero capricho da mente, mas um mecanismo fundamental para o aprendizado e a adaptação. Na prática do storytelling, esse fenômeno tem implicações poderosas. Ao construir uma narrativa, o escritor ou orador deve considerar como a mente humana processa e armazena informações. Histórias que evocam imagens fortes e emoções profundas são mais facilmente retidas na memória, porque imitam o funcionamento dos sonhos. Personagens com dilemas marcantes, cenas carregadas de simbolismo e enredos que ressoam com experiências pessoais tendem a permanecer na mente do público, assim como os sonhos mais impactantes.

A ciência dos sonhos também nos ensina algo essencial sobre o impacto emocional das histórias. Estudos indicam que os sonhos atuam como um regulador emocional, permitindo que lidemos com eventos traumáticos ou experiências intensas de forma indireta. Quando sonhamos com algo que nos assusta ou angustia, nosso cérebro está, na verdade, processando e reorganizando essa informação para torná-la menos ameaçadora. Isso explica por que, muitas vezes, acordamos sentindo que um problema que parecia esmagador na noite anterior já não tem tanto peso pela manhã. No storytelling, esse mecanismo pode ser explorado de maneira sutil, mas eficaz. Uma história bem construída precisa oferecer ao público uma experiência emocional catártica, permitindo que ele processe seus próprios medos, angústias e desejos através da jornada do protagonista. Por isso, narrativas que abordam conflitos universais – amor e perda, medo e coragem, fracasso e redenção – têm um impacto tão profundo. Elas funcionam como sonhos guiados, permitindo que o espectador ou leitor viva emoções transformadoras sem precisar experimentá-las diretamente.

A conexão entre os sonhos e a construção de narrativas também pode ser observada na maneira como o cérebro preenche lacunas. Em um experimento conduzido por cientistas do sono, descobriu-se que, quando somos privados do sono REM por alguns dias, nossa capacidade de resolver problemas complexos e encontrar padrões ocultos diminui drasticamente. Isso porque os sonhos não apenas consolidam memórias, mas também permitem que o cérebro encontre conexões improváveis entre informações aparentemente desconectadas. Esse é um dos princípios centrais do storytelling eficaz: conectar elementos dispersos de forma inesperada, criando um enredo que, ao final, revela uma lógica interna que faz sentido emocional. É por isso que reviravoltas bem construídas são tão satisfatórias – elas simulam o processo pelo qual nosso cérebro descobre padrões e significados ocultos nos sonhos.

Outro aspecto fascinante da neurociência dos sonhos é a forma como o cérebro utiliza metáforas visuais para representar conceitos abstratos. Se um sonho nos coloca em um quarto escuro e sem saída, talvez não seja sobre um cômodo de fato, mas sobre uma sensação de aprisionamento emocional. Se sonhamos que estamos caindo, pode ser um reflexo de uma insegurança ou medo do fracasso. No storytelling, essa tendência do cérebro de transformar conceitos em imagens concretas é um recurso inestimável. Uma boa história não explica emoções de forma direta – ela as evoca através de símbolos e ações. Um personagem pode demonstrar sua solidão não ao dizer que está sozinho, mas ao atravessar uma cidade vazia durante a madrugada. Um protagonista pode expressar sua culpa ao ver o reflexo de si mesmo distorcido em uma vitrine. O storytelling eficaz compreende e aproveita essa capacidade da mente de traduzir emoções em imagens, da mesma forma que os sonhos fazem.

A ciência também nos ensina que os sonhos não são apenas um processo individual – eles têm uma dimensão coletiva e cultural. Estudos apontam que pessoas de diferentes partes do mundo tendem a ter padrões semelhantes de sonhos quando enfrentam eventos históricos de grande impacto. Guerras, pandemias e crises econômicas frequentemente geram sonhos recorrentes em populações inteiras, como se a mente coletiva estivesse processando um trauma compartilhado. Isso revela algo essencial sobre o poder das histórias: elas não apenas refletem experiências individuais, mas também capturam o espírito de uma época. Grandes narrativas, aquelas que atravessam gerações, geralmente carregam consigo um aspecto universal, um espelho das angústias e aspirações coletivas. Compreender essa dinâmica é fundamental para qualquer contador de histórias, seja ele um escritor, um palestrante ou um profissional que utiliza narrativas para persuadir e engajar.

Por fim, ao olharmos para os sonhos sob a ótica da ciência, aprendemos que eles não são apenas janelas para o inconsciente – são ferramentas poderosas de aprendizado, transformação e adaptação. O mesmo se aplica às histórias. Assim como o cérebro sonha para entender melhor o mundo e a si mesmo, nós contamos histórias para dar sentido à nossa existência, para testar possibilidades e explorar novos caminhos. Um bom contador de histórias não apenas narra eventos – ele cria experiências que se instalam no subconsciente do público, deixando marcas que permanecem muito além do instante da leitura ou da escuta.

No fim das contas, a ciência dos sonhos e a arte do storytelling compartilham um mesmo propósito: fazer com que o invisível se torne visível, que o impalpável ganhe forma e que o inatingível se torne, ao menos na mente de quem sonha ou escuta, real.

Os sonhos sempre foram um enigma, uma ponte entre o consciente e o inconsciente, um território onde a mente se permite explorar possibilidades sem as limitações da realidade. Mas e se os sonhos não fossem apenas fragmentos de memória e símbolos abstratos? E se fossem, na verdade, ferramentas poderosas de criação, planejamento e inovação? Durante séculos, o ser humano se fascinou com a ideia de que os sonhos revelam verdades ocultas. No entanto, agora, com o avanço da neurociência e da psicologia cognitiva, começamos a compreender que sonhar não é apenas um processo passivo, mas sim uma atividade neural essencial para o desenvolvimento da criatividade, da resolução de problemas e da construção de narrativas. E é exatamente isso que o storytelling faz – ele traduz esses processos inconscientes em histórias que ressoam com o público.

Quando falamos sobre neurociência dos sonhos, imediatamente nos deparamos com o conceito de consolidação da memória. O cérebro, ao processar as informações do dia, filtra o que é essencial e descarta o que não tem relevância. Em storytelling, esse processo é semelhante ao que um grande escritor faz ao editar seu texto: eliminar o supérfluo e fortalecer o essencial. Assim como um sonho remove distrações e foca nos elementos mais impactantes da experiência, uma boa narrativa seleciona detalhes que ampliam a conexão emocional e tornam a história memorável. Essa é uma das grandes lições que a neurociência pode oferecer aos contadores de histórias – menos é mais. Histórias eficientes não são sobre o excesso de informações, mas sobre a seleção precisa do que realmente importa.

Além disso, os sonhos são repletos de metáforas visuais, e a ciência já demonstrou que o cérebro funciona melhor quando acessa informações por meio de imagens simbólicas. Um conceito abstrato como o medo do fracasso, por exemplo, pode ser representado em um sonho como uma queda interminável. O mesmo princípio se aplica ao storytelling: histórias que usam metáforas visuais são mais persuasivas e impactantes. No marketing, na literatura e nas palestras, grandes comunicadores utilizam esse recurso para transformar conceitos difíceis em narrativas inesquecíveis. O uso estratégico de imagens mentais faz com que o público retenha a mensagem e sinta-se emocionalmente envolvido.

Outro aspecto fascinante da ciência dos sonhos é a maneira como eles nos ensinam a estruturar narrativas. Pesquisas indicam que, enquanto dormimos, nosso cérebro simula cenários, testa hipóteses e nos prepara para situações futuras. Esse mesmo princípio pode ser aplicado ao storytelling. Um romance bem construído, uma história corporativa envolvente, uma campanha de marketing poderosa – todas seguem um arco narrativo que se assemelha ao funcionamento dos sonhos. Existe um problema, um conflito, uma busca por soluções e uma resolução final. O padrão dos sonhos é também o padrão das grandes histórias, e é por isso que certas narrativas parecem tão naturais e irresistíveis para nós.

Mas a conexão mais surpreendente entre sonhos e storytelling está na forma como ambos moldam a realidade. Durante séculos, filósofos e cientistas se perguntaram se os sonhos poderiam influenciar nossas decisões quando acordados. Agora sabemos que sim. Estudos apontam que indivíduos que sonham com um problema têm maior probabilidade de encontrar uma solução criativa para ele na vigília. Isso significa que os sonhos não apenas refletem a realidade, mas ajudam a criar novas realidades. O storytelling funciona exatamente da mesma forma. Quando uma pessoa ouve uma história envolvente, seu cérebro recria a experiência como se estivesse vivendo aquilo. Isso tem implicações enormes para quem deseja persuadir, engajar e transformar pessoas através da comunicação.

Imagine um palestrante que precisa inspirar sua plateia, um líder que quer convencer sua equipe de um novo projeto, um autor que deseja emocionar seus leitores. Todos eles podem se beneficiar do que aprendemos sobre a neurociência dos sonhos. Se as histórias forem contadas com elementos visuais fortes, conexão emocional e um arco narrativo bem estruturado, elas terão o poder de se fixar na mente das pessoas e até modificar suas percepções. Esse fenômeno é chamado de narrativa experiencial, e diversos experimentos já demonstraram que, quando ouvimos uma boa história, nosso cérebro reage como se estivéssemos vivendo aquilo. É por isso que nos emocionamos ao assistir a um filme ou ao ler um livro – estamos, de certa forma, sonhando acordados.

E aqui está a grande revelação: os sonhos e o storytelling são duas faces da mesma moeda. Ambos constroem narrativas, ambos selecionam informações essenciais, ambos utilizam metáforas visuais e ambos têm o poder de transformar nossa percepção da realidade. Mas enquanto os sonhos ocorrem sem que possamos controlá-los, o storytelling é uma ferramenta que pode ser moldada e aprimorada para alcançar objetivos específicos. É a arte de criar sonhos sob demanda – e, quando bem utilizada, pode influenciar desde decisões de compra até grandes mudanças de pensamento.

No fim das contas, a verdadeira revolução do storytelling não está apenas em contar histórias. Está em entender como a mente funciona, como as emoções são processadas, como a memória seleciona o que é importante e como podemos estruturar narrativas que ressoem com a psicologia humana. Com isso, percebemos que contar histórias não é apenas uma habilidade – é uma ciência, um estudo profundo sobre como as pessoas interpretam o mundo e como podemos guiá-las nessa jornada.

Se os sonhos são simulacros da realidade, o storytelling é a ferramenta que nos permite moldar essa realidade da maneira que quisermos. E esse é o grande segredo: quem domina a arte de contar histórias, domina a arte de transformar o mundo.

JAMES MCSILL 10 de fevereiro de 2025
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Neurociência, história e criatividade para explorar o fenômeno dos sonhos