Se há algo que a sociedade moderna nos ensina – e ensina mal, diga-se de passagem – é que devemos estar sempre felizes, sempre positivos, sempre radiantes como um comercial de pasta de dentes. Se não estás feliz, o problema és tu. Faltou gratidão, faltou mindset, faltou repetir mantras motivacionais no espelho enquanto finges que não queres socar a própria cara. Mas vou te contar um segredo: isso é tudo uma bela de uma ilusão.
Não foste programado para estar em êxtase constante. Se a tua felicidade dependesse de repetires “Eu sou próspero e abundante” três vezes antes do pequeno-almoço, não existiriam divórcios, crises existenciais ou aquele vazio existencial que aparece depois de maratonar uma série e perceber que a tua vida, ao contrário da ficção, não tem uma trilha sonora épica.
A verdade é simples e dolorosa: nem tudo na vida merece a tua preocupação. Isso parece um conselho óbvio, mas observa ao teu redor. Vês gente gastando energia a discutir com estranhos na internet sobre como se deve comer pizza. Vês pessoas a se arruinarem emocionalmente porque um colega de trabalho não gostou do seu relatório. Há até aqueles que têm ataques de pânico porque o vizinho estacionou dois centímetros fora da linha. E cá entre nós, se estás a perder a cabeça porque o teu café veio com meio centímetro a menos de espuma, talvez seja hora de te perguntardes: será que eu preciso mesmo de me importar com isso?
O problema é que fomos treinados para acreditar que tudo é urgente, tudo é crucial, tudo é um reflexo do nosso valor pessoal. Se estás triste, algo precisa ser consertado. Se te sentes ansioso, alguma técnica mágica de respiração promete resolver tudo em três minutos. Mas e se eu te disser que não, que o desconforto é natural e que fugir dele como um gato assustado com um pepino só vai piorar a tua vida?
A grande revolução, meus caros, é aceitar que não és obrigado a estar bem o tempo todo. Mais ainda: que as tuas emoções negativas não são falhas de sistema que precisam ser corrigidas. São dados importantes, sinais que mostram o que realmente importa e o que precisa de atenção. Mas a indústria do autoaperfeiçoamento prefere que ignores isso. Querem vender-te a ideia de que se estiveres sempre bem, tua vida será um espetáculo de fogos de artifício. Não será.
A vida real tem altos e baixos. Tem dias em que acordamos inspirados e queremos conquistar o mundo. E tem outros em que tudo o que queremos é ficar enfiados no sofá, abraçados a um saco de batatas fritas, contemplando as decisões erradas que nos trouxeram até aqui. E sabem de uma coisa? Está tudo bem.
O grande truque é saber onde colocar a tua energia emocional. A maioria das pessoas está tão preocupada com trivialidades que não sobra espaço para as coisas realmente importantes. Ficam a remoer durante uma semana porque receberam um e-mail seco do chefe, mas não gastam nem um segundo a refletir sobre por que continuam num emprego que detestam. Entram em guerra com o amigo porque ele demorou dois dias para responder uma mensagem, mas ignoram completamente o fato de que talvez seja a hora de reavaliar essa amizade.
A ironia é que quanto mais te preocupas com coisas irrelevantes, mais a tua vida fica parecida com uma novela de baixo orçamento, cheia de drama desnecessário. E o pior: sem uma boa direção de arte.
Então, como sair dessa? Simples: torna-te seletivo com as tuas preocupações. Escolhe a dedo o que merece a tua energia. Pergunta-te sempre: isto vai importar daqui a um ano? Daqui a cinco? Se a resposta for não, então segue em frente. Não gastes os teus neurónios a sofrer por algo que não tem impacto real na tua vida.
Agora, antes que venham dizer que esta abordagem é insensível, deixem-me esclarecer algo: não se trata de ser indiferente a tudo, mas de ser sábio sobre no que investir a tua preocupação. Significa parar de gastar energia a tentar impressionar pessoas que nem sequer gostas. Significa deixar de se atormentar com cada pequena falha como se fosse um crime contra a humanidade. Significa entender que se alguém te fechou no trânsito, isso não é uma declaração de guerra pessoal.
No fundo, aprender a não se importar com o que não importa é o verdadeiro superpoder. É o que te permite respirar fundo e dizer: “isto não merece a minha energia”, enquanto o mundo enlouquece ao teu redor.
E é isso que nos leva ao próximo ponto: aceitar que tu não és especial. Mas isso fica para a próxima parte, porque há muito o que dissecar sobre essa ilusão coletiva de que somos todos 'estrelas em ascensão' num universo que, honestamente, não está nem aí para as nossas aspirações.
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Se há uma crença destrutiva que a cultura moderna implantou nas nossas mentes, é a ideia de que somos todos absolutamente extraordinários. Que viemos ao mundo para deixar uma marca, revolucionar uma indústria, inspirar milhões e ganhar um documentário emocionante sobre a nossa jornada de superação. Se ainda não fizemos nada disso, estamos falhando miseravelmente e, portanto, precisamos de um coach, um plano de desenvolvimento pessoal e uma nova lista de metas absurdamente irreais para alcançar antes dos 35.
A realidade, no entanto, é bem menos cinematográfica. E, por mais que isto pareça cruel, ninguém se importa tanto contigo quanto tu pensas. E antes que cries um drama existencial sobre isso, deixa-me te explicar por que esta é a melhor notícia que podias receber.
O fato de não seres o centro do universo significa que não precisas de carregar a pressão constante de estar sempre certo, perfeito ou impressionante. Significa que ninguém está a analisar cada erro que cometes, cada frase estranha que disseste numa conversa ou cada falha que tiveste na tua carreira. A dura verdade é que a maioria das pessoas está ocupada demais a pensar nos próprios problemas para ficar a julgar cada detalhe da tua vida.
Pensa nisso da seguinte forma: já te aconteceu passar dias a remoer um momento embaraçoso, como ter falado algo estúpido numa reunião ou tropeçado em público? Pois bem, lembra-te de que, no mesmo dia, outras dezenas de pessoas ao teu redor fizeram exatamente o mesmo – e tu nem te deste conta.
Quando percebes que a tua “especialidade” é apenas uma ilusão de ótica alimentada pelo ego, passas a ver a vida com mais leveza. De repente, já não precisas de provar nada a ninguém. Já não precisas de perder o sono por cada erro insignificante. Já não precisas de um plano de dominação mundial para justificar a tua existência. Podes simplesmente viver.
Agora, é claro que a sociedade vai resistir a esta ideia. Afinal, há um mercado gigantesco baseado em vender a ilusão de que se não estás constantemente a melhorar, expandir e otimizar cada área da tua vida, estás a perder tempo. A indústria da autoajuda, os gurus da produtividade, os influencers do sucesso – todos lucram com a tua ansiedade em ser “grande”, “único” e “irrepetível”. Mas sabes quem não lucra nada com isso? Tu.
O que fazer, então? Simples. Redefine o que realmente importa para ti. Esquece as expectativas exageradas que o mundo te impôs e começa a pensar por ti próprio. Pergunta-te:
- O que realmente me faz feliz, independentemente do que os outros acham?
- Estou a gastar mais tempo a tentar parecer interessante do que a viver de forma interessante?
- As minhas ambições são genuinamente minhas ou foram plantadas na minha cabeça por um influencer qualquer?
A ideia de que todos precisam de ser “extraordinários” criou um problema sério: muita gente está a perseguir objetivos que nem sequer quer de verdade. Há pessoas a fazer MBA só porque ouviram que é necessário. Há quem passe anos a treinar para maratonas porque alguém disse que isso é sinal de disciplina. Há gente a comprar carros caros só para impressionar desconhecidos. E, no final, estão todos exaustos, frustrados e sem saber por que diabos não sentem a realização que esperavam.
Solução? Para de tentar ser especial e começa a ser real. Aprende a ser feliz sem precisar de validação externa. Faz as coisas porque queres, não porque achas que te vão dar status. O dia em que aceitares que ser “médio” não é um fracasso, mas uma liberdade, vais perceber que tens muito menos com que te preocupar.
Agora, claro, isto não significa que deves largar tudo, desistir da vida e passar os teus dias a ver reality shows de qualidade duvidosa. O que significa é que podes escolher com mais inteligência onde colocar a tua energia. O problema não é ter ambições, mas sim perder tempo com ambições que não fazem sentido para ti.
E se ainda não estás convencido, aqui vai um exercício prático para reorganizar a tua mente e evitar cair na armadilha de querer ser especial a todo custo:
- Faz uma lista das coisas que achas que queres alcançar. Tudo. Desde carreira até vida pessoal.
- Agora, elimina tudo o que não te faria feliz se ninguém nunca soubesse que o fizeste.
- Olha o que sobrou. Isso é o que realmente importa.
Este simples teste ajuda a perceber quantas coisas fazemos só para impressionar os outros. Quantas decisões tomamos baseadas em “o que as pessoas vão pensar” em vez de “o que realmente me faz feliz”.
E aqui está o ponto principal: quando deixas de tentar ser especial para os outros, começas a ser especial para ti mesmo. E isso é muito mais satisfatório.
Agora que já entendemos que ser “médio” é libertador, podemos seguir para o próximo nível: a nobre arte de falhar sem transformar isso num drama shakespeariano. Porque, meus amigos, falhar não é o problema. O problema é o pânico irracional que nos ensinaram a ter em relação ao fracasso. Mas isso, claro, fica para a próxima parte.
Checklist prático para evitar cair na armadilha da “necessidade de ser especial”
✅ Para de medir a tua vida pelo que os outros pensam – ninguém se importa tanto assim.
✅ Define objetivos que realmente te fazem feliz, não os que só servem para impressionar.
✅ Elimina tudo o que fazes apenas para ganhar validação externa.
✅ Aceita que a vida não precisa de ser épica para ser incrível.
✅ Aprende a viver com leveza – quanto mais te preocupas em parecer algo, menos feliz és.
✅ Pensa: se ninguém soubesse que fiz isto, ainda assim seria importante para mim?
✅ Liberta-te da pressão de ser extraordinário – ser autêntico já é um feito incrível.
DRAMA SHAKESPEARIANO
Agora que já arruinámos a ilusão de que és uma estrela em ascensão e aceitaste, espero eu, a realidade libertadora de que ninguém se importa tanto contigo quanto achavas, vamos ao terceiro e mais crucial pilar da arte de não dar importância excessiva a tudo: errar, falhar, tropeçar, quebrar a cara, ser rejeitado, fracassar e, veja bem, continuar a viver sem perder a dignidade no processo.
Aqui está a verdade que ninguém quer ouvir: vais falhar. Várias vezes. Em várias áreas da tua vida. Vais tomar decisões erradas, vais fazer investimentos péssimos, vais confiar em pessoas que não mereciam, vais te arrepender de frases ditas num impulso, vais enviar mensagens que desejarias poder apagar da existência. E está tudo bem. O problema nunca foi falhar. O problema é o desespero irracional que temos em relação ao fracasso.
O mundo moderno transformou o erro num monstro. Basta ver como as pessoas falam sobre isso:
- "O que vais fazer se isso não der certo?"
- "E se as pessoas descobrirem que falhaste?"
- "O que vão pensar de ti?"
Ou seja, falhar não é só falhar. É uma humilhação pública, um vexame, um certificado de incompetência emitido diretamente pelo universo. Pelo menos, é isso que te querem fazer acreditar. Mas deixa-me dizer-te algo revolucionário: ninguém está realmente a prestar tanta atenção ao teu fracasso. As pessoas estão demasiado ocupadas a tentar esconder os seus próprios.
Pensa em todas as vezes que viste alguém falhar. Quantas delas te marcaram de verdade? Aposto que a maioria desapareceu da tua memória em poucos dias. Pois bem, acontece o mesmo quando és tu a falhar. As pessoas podem reparar num momento, podem comentar por cinco minutos, mas depois a vida segue e cada um volta para os seus próprios problemas. O único que continua a remoer isso és tu.
E mesmo que alguém faça questão de relembrar os teus erros – sabe-se lá por quê –, esta pessoa provavelmente não tem nada de relevante acontecendo na própria vida. Afinal, a única gente que passa tempo demais a analisar as falhas alheias são aquelas que têm medo de enfrentar as próprias. Então, francamente, essas opiniões não deveriam contar para nada.
Agora, a questão central é: como falhar direito? Porque, convenhamos, se vais tropeçar ao longo da vida (e vais), o mínimo que podes fazer é aprender a cair com estilo, em vez de te desfazer em lágrimas no chão como uma personagem de novela mexicana.
Primeiro passo: assume o erro e segue em frente. O que a maioria das pessoas faz quando falha? Justifica, culpa terceiros, arranja desculpas, escreve longas declarações nas redes sociais explicando que o universo estava contra elas naquele dia específico. Tudo isso é uma perda de tempo monumental. Se erraste, aceita. Corrige se puderes, aprende a lição se houver uma, e segue a tua vida. Quanto menos tempo desperdiçares a tentar "controlar o dano", mais energia tens para realmente melhorar.
Segundo passo: pára de dramatizar. O maior erro de quem falha é transformar isso numa tragédia pessoal. “Oh, nunca mais serei levado a sério.” “A minha vida acabou.” “Sou um fracasso ambulante.” Não. Apenas não. És apenas um humano a passar por algo que todos os humanos passam o tempo todo. O problema não é o erro em si, mas a forma como o interpretas.
Falhaste numa entrevista de emprego? Bem-vindo ao clube. Um projeto não deu certo? Junta-te aos milhões de empreendedores que também erraram antes de acertar. Fizeste uma aposta errada? Parabéns, acabaste de te tornar uma pessoa experiente. A grande diferença entre aqueles que vivem bem e aqueles que vivem a chorar pelos cantos é como lidam com os próprios tropeços.
Agora, sejamos claros: não estou a dizer que deves ignorar completamente as tuas falhas. Há momentos em que errar dói. Há consequências reais. Mas existe uma grande diferença entre refletir sobre um erro e ficar paralisado por ele. E aqui entra um dos maiores segredos da vida: errar não mata ninguém. A vergonha de errar, sim.
O terceiro passo para falhar sem colapsar emocionalmente: aprende a rir dos teus erros. Poucas coisas são mais libertadoras do que ser capaz de olhar para trás e dizer "Ok, isso foi um desastre completo, mas ao menos rende uma boa história." Se conseguires encontrar humor nas tuas próprias falhas, tornas-te inatingível. O medo do fracasso perde o poder sobre ti. Já viste aqueles indivíduos que encaram cada erro como um trauma irreparável? São infelizes, tensos e exaustos. Não sejas essa pessoa.
E antes que venhas dizer “mas há falhas graves, falhas que mudam vidas”, sim, eu sei. Há erros que custam dinheiro, oportunidades e relacionamentos. Mas a alternativa a falhar seria não fazer nada. E, sinceramente, essa é uma opção bem pior.
Então, se ainda tens medo de falhar, aqui vai uma dica simples: fracassa o mais rápido possível. Quanto mais cedo perceberes que errar não é o fim do mundo, mais rápido ganhas resiliência. Para isso, precisas parar de procrastinar e enfrentar as coisas que tens medo de tentar.
Por isso, aqui está o checklist definitivo para aprender a falhar como um mestre e sair ileso no processo:
✅ Admite o erro rapidamente. Quanto mais rápido aceitares, mais rápido segues em frente.
✅ Nunca dramatizes. A tua vida não acabou porque cometeste um erro. Só parece assim porque te ensinaram a exagerar a importância de tudo.
✅ Não arranjes desculpas. Se erraste, erraste. Enfrenta isso com dignidade.
✅ Ri de ti mesmo. O mundo já é sério demais. Aprende a contar os teus erros como piadas, não como tragédias gregas.
✅ Para de te preocupar com o que os outros vão pensar. Eles vão esquecer em dois dias. O único que fica a remoer isso és tu.
✅ Falha mais rápido. Quanto mais cedo errares, mais cedo aprendes e mais cedo acertarás.
✅ Foca no que aprendeste, não no que perdeste. Toda falha traz um ensinamento. Aprende e segue.
✅ Segue com confiança. Ninguém respeita um derrotado que se arrasta no chão a lamentar-se.
No final das contas, a vida não é sobre evitar falhas, mas sobre aprender a navegar por elas sem perder a compostura. Errar faz parte do jogo. Aceita, joga e continua. Porque a alternativa é passar a vida inteira aterrorizado, tentando evitar cada tropeço, e isso, meus amigos, não é viver.
E assim fechamos este guia para te importares menos com o que não importa. Agora, só falta aplicares tudo isso na vida real. Boa sorte – e não te preocupes muito se falhares na primeira tentativa. Acontece.
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Eis uma nota curta sobre as diferenças no uso de "porque" entre o português do Brasil e de Portugal:
"Porque" em Portugal vs. Brasil: Uma Nuance em Desuso
Tradicionalmente, em Portugal, distinguia-se o uso de "por que" (para perguntas ou quando seguido de substantivo) de "porque" (para respostas ou explicações). No Brasil, esta distinção era menos vincada, usando-se "porque" de forma mais abrangente.
Curiosamente, a recente reforma ortográfica não padronizou esta diferença, mantendo-se as duas variedades com as suas tendências. No entanto, na prática, para quem transita entre o português de Portugal e o do Brasil, esta nuance tornou-se menos relevante.
Se se encontra a questionar se "errou" ou "acertou" ao usar "porque", relaxe! A verdade é que, no uso corrente, a distinção esbateu-se. Em ambos os lados do Atlântico, "porque" é amplamente aceite em diversos contextos, mesmo aqueles que, outrora, seriam mais "próprios" para "por que" em Portugal.
Portanto, se vive entre as duas variedades, use "porque" com naturalidade. O mais importante é a clareza da sua mensagem, e não a adesão a regras que, na língua viva, já se tornaram secundárias. A língua é um organismo vivo, e a flexibilidade é a sua beleza!
O Engano da Relevância