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O meu neuro-coaching quântico astral transformacional atrai riqueza, felicidade, magreza, curas milagrosas, transformação de vida e carreira…

e uma bela conta no fim do mês por ter pagado o charlatão!"

tua carteira emagrece, mas o teu 'mindset' engorda de ilusões?

Não é minha intenção desqualificar a atividade de coaching ou de consultoria motivacional. Como alguém que atua com mentoria e acredita profundamente no valor de orientar pessoas, sei o quanto é imprescindível que qualquer profissional—coach, mentor ou consultor—tenha preparo e responsabilidade para desempenhar bem o seu papel. Os apontamentos que faço aqui servem para alertar sobre práticas que podem prejudicar tanto os clientes quanto a reputação de toda uma área, reconhecida ou não. Só com seriedade, competência e ética podemos evitar que aproveitadores tornem a profissão alvo de desconfiança ou descrédito. 

Com frequência me perguntam: e tu, o que achas?

Pois bem...

Falar sobre coaching é, antes de tudo, observar como esse fenômeno cultural se difundiu de maneira rápida e, em muitos casos, controversa. Para compreender essa multiplicidade de visões, vale resgatar o contexto histórico que deu origem ao termo, um conceito que começou em inglês significando “carruagem” e que, aos poucos, foi associado à ideia de “treinador”, sobretudo no universo esportivo. Quando essa definição se transportou para a esfera corporativa, a proposta era que alguém servisse como orientador de desempenho, uma figura que ajudasse outra pessoa a atingir metas específicas. Assim, numa perspectiva teórica, a essência de um coach não é ruim: seria a de alguém que oferece suporte para o crescimento profissional ou pessoal.

Entretanto, tudo mudou quando esse conceito atravessou fronteiras e chegou ao imaginário popular, num período em que as redes sociais já estavam consolidadas e as pessoas buscavam soluções rápidas para problemas de carreira ou de vida pessoal. De súbito, o vocabulário de palestras, cursos e consultorias passou a ficar repleto de expressões em inglês, como coach, coachee, mindset e empowerment, o que provocou certa fascinação em quem via nesses termos uma espécie de “selo de modernidade”. O brasileiro e português, acostumados a importar palavras e modismos, incorporaram essa linguagem que, muitas vezes, disfarça uma superficialidade incapaz de oferecer resultados concretos. Ao mesmo tempo, quem se autodenomina coach ganhou a chance de trabalhar sem regulação, criando um mercado informal onde qualquer um pode imprimir cartões de visita e começar a cobrar por aconselhamento ou programas de “desenvolvimento pessoal”.

Essa falta de critérios claros para distinguir um profissional com formação sólida de alguém que fez um curso online de poucas horas abriu as portas para uma enxurrada de oportunistas. Pessoas que falharam em diversas áreas viram ali a possibilidade de ganhar dinheiro vendendo soluções mágicas a quem, por ansiedade, frustração ou desespero, estava disposto a pagar qualquer preço em busca de uma saída fácil. Muitas vezes, o linguajar “marqueteiro” que mistura elementos de autoajuda com frases prontas é suficiente para convencer plateias de que se trata de algo inovador e eficaz. Frases como “mude seu mindset para alcançar o empoderamento financeiro” funcionam como promessas vagas, mas que, ditas com confiança, soam científicas ou modernas. No fim, trata-se apenas de uma forma de manipular emoções de maneira sutil, apelando para o desejo profundo que as pessoas têm de mudar suas vidas sem precisar de um processo longo ou complexo.

Essa manipulação emocional se reforça pelo pacote ideológico-comportamental que costuma acompanhar o coaching. O coach tende a propagar a visão de que “se não deu certo, é culpa sua, pois você não se empenhou o suficiente”. A narrativa gira em torno de fechar ciclos, de não olhar para trás, de “focar no sucesso”, de “querer é poder”. O discurso pode funcionar como um incentivo inicial, mas raramente leva em conta fatores sociais, econômicos, de saúde mental e tantas outras variáveis que influenciam o cotidiano de qualquer indivíduo. Para reforçar a crença na suposta infalibilidade do método, o fracasso costuma ser atribuído inteiramente ao cliente, jamais ao próprio coaching, o que encobre a ausência de base teórica sólida ou de técnicas validadas.

Enquanto isso, cresce a sensação de que o coaching, do jeito que se popularizou, se assemelha a uma pajelança moderna, pontilhada de palavras em inglês e promessas de resultados extraordinários. Alguns profissionais chegam a misturar o que seria apenas orientação com teorias pseudocientíficas, apelos quânticos, terapias energéticas e afins. A pessoa que busca ajuda acaba imersa em rituais supostamente transformadores, muitas vezes anotando sonhos em papeizinhos e colando-os pela casa, tentando reprogramar o próprio DNA para alcançar prosperidade. Talvez isso gere euforia inicial, mas, se não há ações concretas e um conhecimento profundo de psicologia, gestão ou outras áreas envolvidas, o efeito positivo tende a desaparecer em pouco tempo.

Uma das razões que alimentam a desconfiança em torno de tudo isso é a total ausência de regulação. Não existe lei específica que exija requisitos mínimos ou estabeleça padrões para quem se autointitula coach. Certas federações e associações até tentam criar um arcabouço ético, mas não têm força legal. Quem quer pode oferecer seus serviços e usar termos como “reprogramação mental” ou “empoderamento feminino”, e sempre haverá quem acredite. Não causa espanto, portanto, que haja quem compare o coaching aos esquemas de marketing multinível que exploram sonhos de enriquecimento rápido. Aqui, em vez de pirâmides financeiras, temos promessas de milagres emocionais ou profissionais, apoiadas em retóricas que culpam o indivíduo quando algo dá errado.

Para entender por que esse cenário é tão problemático, basta observar o conflito que emerge quando um palestrante mal preparado tenta ensinar coaching para uma equipe experiente de advogados, engenheiros ou especialistas em TI. Essas pessoas, acostumadas a lidar com análises objetivas, não se encantam com palavras de ordem em inglês, nem se satisfazem quando o “método” é apenas falar de superação pessoal ou emoção nos números. Nesses casos, qualquer pergunta um pouco mais específica desmonta o enredo do coach de ocasião, revelando a fragilidade do discurso genérico. O mesmo acontece quando o coach tenta se aventurar em áreas que deveriam ser tratadas por profissionais de saúde mental ou consultores financeiros habilitados. Não há mágica que substitua competência real, e a insistência em fingir que tudo se resolve com foco e vontade costuma gerar apenas decepção.

Ao olhar esse panorama, é fácil perceber por que tantas pessoas enxergam no coaching uma atividade oportunista, parecida com o que se vê em algumas linhas religiosas sem embasamento ou mesmo em outras frentes de autoajuda que prometem a cura de todos os males. Alguns coaches chegam ao ponto de adotar teorias quânticas deturpadas ou falar em “energia cósmica” para justificar suas práticas. Em nome de mudar a vida de alguém, atrevem-se a emitir opiniões sobre assuntos que exigiriam anos de estudo, como questões jurídicas, transtornos psicológicos ou complexidades econômicas. É óbvio que boa parte do público mais crítico não vê isso com bons olhos, pois a bagagem teórica e a experiência prática são requisitos indispensáveis em qualquer atividade realmente profissional.

Obrigado virou gratidão?

Resta, então, a pergunta sobre como diferenciar quem entende do assunto de quem apenas repete chavões. E a resposta não é simples, pois não há um órgão oficial que conceda títulos e fiscalize a atuação de coaches. Fica a cargo do bom senso de cada cliente investigar o histórico do profissional, conferir se ele tem referências, se domina o campo em que pretende atuar e se suas técnicas se baseiam em algo mais do que simplesmente “pensamento positivo”. Além disso, alguns especialistas defendem a criação de um marco regulatório que estabeleça um piso mínimo de capacitação para quem deseja exercer a função, mas isso encontra resistência tanto de quem lucra com a informalidade quanto de setores que enxergam no coaching apenas uma variação do livre mercado.

Olhando tudo isso de forma ampla, fica claro que o problema não está na ideia original de orientar alguém rumo a objetivos específicos. A proposta de oferecer caminhos, organizar metas e incentivar a autodescoberta poderia ser algo construtivo, caso houvesse uma estrutura metodológica válida por trás. O problema reside no modo como a atividade se alastrou, na superficialidade de muitos que se dizem especialistas, na apropriação de termos estrangeiros para encantar quem, no fundo, só quer uma solução rápida e indolor para problemas complexos. Se, em vez disso, existisse uma separação rigorosa entre coaches sérios e charlatães, talvez a conversa fosse outra. Mas, enquanto cada um puder se proclamar coach e usar expressões importadas sem prestar contas a ninguém, a profissão permanecerá sob forte suspeita.

A partir desse cenário, não surpreende que haja tantas histórias de relacionamentos desfeitos, carreiras afetadas e decepção generalizada. Gente que saiu de um processo de coaching mais confusa do que entrou, usando jargões vazios como “fechar ciclos” e “abraçar a criança interior” sem compreender as verdadeiras raízes de suas próprias angústias. Outros, em busca de motivação, acabam adotando uma atitude tóxica de superioridade, julgando que quem não prospera faz isso por incompetência ou falta de empenho. É um pacote que serve para inflar egos e justificar fracassos alheios, mas não resolve a fundo os problemas que levaram a pessoa a procurar ajuda.

Nesse sentido, fica evidente que há também uma responsabilidade das empresas e do público em geral. Muitas organizações contratam treinamentos de coaching sem avaliar o histórico do palestrante ou a consistência de seu método. Outros clientes, por sua vez, não pesquisam referências antes de investir seu dinheiro e suas esperanças num profissional desconhecido. Essa falta de prudência alimenta o mercado dos aproveitadores, que dependem justamente do desespero ou da ingenuidade de quem crê que existe uma receita pronta para a felicidade e o sucesso.

Por tudo isso, não é difícil entender por que tanta gente cética critica o coaching e por que há quem veja nessa prática uma mera “pajelança” com palavras em inglês. Em teoria, poderia ser uma atividade respeitável, mas na prática foi invadida por um enxame de supostos gurus que, graças à liberdade irrestrita, confundem a população com discursos floreados e promessas irreais. O resultado é uma reputação manchada, que faz até mesmo bons profissionais sofrerem para se destacar e para provar que existe, sim, conteúdo sólido nesse campo. Enquanto não houver uma reorganização formal, que estabeleça critérios para quem quer atuar como coach e impeça o uso indiscriminado da marca e da terminologia, o risco de cair nas mãos de um charlatão continuará alto.

No fim das contas, para quem ainda acredita na proposta ou deseja entender melhor esse universo, vale a pena manter o senso crítico. Se alguém se apresenta como coach, é bom investigar onde a pessoa estudou, qual foi sua experiência anterior, quais resultados concretos ela já ajudou alguém a alcançar. E, claro, avaliar se o discurso tem consistência ou se é apenas um amontoado de frases de efeito, jargões motivacionais e palavras importadas que se repetem sem que se explique, de verdade, como e por que algo funcionaria. Enquanto esses cuidados não forem tomados, qualquer um pode se deparar com a decepção que tantos outros já viveram, comprando promessas vazias e saindo ainda mais frustrado.

Assim, encerro esta reflexão sobre como o coaching se popularizou de modo distorcido, carregado de expressões que encantam à primeira vista, mas que na prática revelam pouca profundidade. Há um contraste gigantesco entre a ideia original de apoiar indivíduos ou grupos na busca de metas legítimas e o cenário caótico que se vê quando a atividade se torna uma espécie de refúgio para oportunistas. Resta saber se, em algum momento, a sociedade e os próprios coaches realmente comprometidos com a seriedade da profissão conseguirão estabelecer diferenciações claras, restaurando a credibilidade do conceito ou mesmo criando uma terminologia própria em português. Enquanto isso não acontece, permanece a recomendação de cautela: muito do que se vende como transformação é apenas um simulacro, e cabe ao indivíduo perceber se está diante de uma orientação concreta ou de um jogo de palavras pensado para encantar e lucrar em cima de sonhos e ilusões.

O que me chama atenção, antes de qualquer coisa, é a facilidade com que o coaching, em muitos contextos, se une a discursos carregados de palavras de ordem e termos científicos mal empregados, sem que haja qualquer lastro real de pesquisa ou fundamentação sólida. É nesse espaço que se desenvolve um verdadeiro show de promessas vazias, em que técnicas supostamente “comprovadas” acabam se reduzindo a um punhado de mantras motivacionais repetidos até a exaustão. O curioso é ver como esse fenômeno não só seduz quem já está fragilizado por crises pessoais, mas também contamina setores de empresas que se impressionam com apresentações cheias de slides coloridos e frases de efeito.

A pseudociência entra em cena quando o coach tenta validar suas palavras com citações aleatórias de estudos ou cita nomes de cientistas renomados sem contextualizar as suas pesquisas. Muitas vezes, há menções rasas a teorias de neurociência, neuroplasticidade, física quântica e psicologia comportamental, tudo misturado de forma caótica para convencer o público de que, na essência, o método funciona. Não é incomum ouvir generalidades como “o cérebro humano não distingue fato de imaginação” ou “basta pensar que você consegue e o seu corpo responde”. Quando esses conceitos surgem em palestras, raramente se apresentam referências específicas, datas de publicações ou autores. É só um verniz pseudocientífico para respaldar o que, na prática, não passa de um discurso motivacional antiquado: “foque, queira, busque e conquiste”.

O que acontece na prática é que as pessoas que procuram um coach esperam soluções imediatas e, muitas vezes, não possuem um arcabouço teórico capaz de questionar ou confrontar afirmações vagas. Nesse ambiente, uma retórica dotada de palavras e expressões científicas garante certa blindagem. Quem se arrisca a levantar a mão e dizer que aquilo não faz sentido corre o risco de ser rotulado como “negativo”, “sem abertura mental” ou “pessimista”. É um mecanismo de defesa que mantém viva a promessa vazia, mesmo que, mais tarde, todo o entusiasmo inicial vá embora quando o indivíduo percebe que seu problema continua lá, intocado, disfarçado apenas por um curto período de euforia.

Esse efeito de euforia inicial é muito parecido com o que chamamos de efeito placebo, um fenômeno observado também em contextos médicos, onde uma pílula de açúcar, apresentada como remédio, pode gerar melhora temporária em sintomas subjetivos. No caso do coaching, não há nenhum comprimido físico, mas há um comprimido discursivo. A pessoa vai a uma palestra, ou faz algumas sessões, e sai com a sensação de que agora, sim, tudo vai mudar. Cria metas gigantes, coloca post-its pela casa, sente a energia borbulhar. Mas, se não houver ações concretas e, principalmente, se essas ações não tiverem fundamentos estruturais que levem em conta a realidade, o entusiasmo se esvai. A mente percebe, em algum momento, que as circunstâncias são mais resistentes do que o discurso de “você pode tudo” dá a entender.

É triste notar como muitos coaches, sem formação adequada em psicologia ou áreas afins, acabam empurrando seus clientes para uma espécie de culto ao pensamento positivo. O cliente se convence de que, se algo não está funcionando, é porque ainda pensa de forma errada ou não “vibrou” o suficiente naquela frequência de sucesso, naquele estado mental de abundância. Isso gera um ciclo de culpa e de pressão interna cada vez mais forte. Lembro de ouvir um relato de uma mulher que, após investir em um processo de coaching caro, passou a acreditar que a ausência de resultados era exclusivamente responsabilidade dela. A coach dizia, em tom de reprovação, que ela estava “trabalhando pouco o mindset” e que precisava meditar mais sobre sua prosperidade. Enquanto isso, a vida prática dessa mulher se mantinha difícil: problemas financeiros, ambiente de trabalho ruim, pouco apoio familiar. Situações que não se resolvem apenas com “conexão energética” ou “afirmações” repetidas diante do espelho.

Esse aspecto do coaching, quando mal aplicado, assemelha-se demais a certas linhas espiritualistas ou religiosas que fazem promessas de cura e mudança de vida, mas que não oferecem qualquer suporte real de saúde, educação ou formação profissional. É provável que esse paralelo exista porque, na prática, ambos operam no terreno das emoções e das esperanças. Pessoas vulneráveis se tornam público-alvo fácil para quem oferece uma tábua de salvação. O show de promessas vazias sempre tem plateia. Alguém que perdeu o emprego, enfrenta problemas conjugais ou lida com depressão encontra, na fala sedutora do coach, um lampejo de esperança. Paga pelo processo acreditando que ali existe um método revolucionário, e não se dá conta de que muitas das técnicas apresentadas se resumem a dizer “vá em frente e acredite”.

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Outro fator que deve ser mencionado é o uso de exemplos de sucesso descontextualizados. É comum o coach dizer algo como: “Olhe para o fulano, que superou a pobreza e hoje é um CEO milionário. Se ele conseguiu, você também consegue.” Se formos analisar a vida de fulano a fundo, provavelmente encontraremos condições especiais, sorte, contatos, fatores sociais e educacionais que não se repetem para todos. O coach, porém, não quer se aprofundar nesses detalhes, pois arriscaria destruir a aura de fórmula mágica. A regra é sempre simplificar: “Deu certo para uma pessoa, logo o método funciona.” Até parece que uma andorinha faz verão.

Em palestras para empresas, esse problema se agrava na forma de um discurso uniformizado, onde se promete que toda a equipe se tornará mais produtiva, mais engajada e mais feliz se “mergulhar no processo”. As pessoas saem do evento empolgadas, mas, após uma ou duas semanas, voltam aos mesmos conflitos, prazos apertados, chefes tóxicos e demandas irreais. O tal coach, muitas vezes, desaparece na mesma velocidade que chegou, ou segue para outra empresa, replicando o mesmo show de promessas. É um ciclo que se repete porque a cultura corporativa atual valoriza discursos de alta performance e desenvolvimento pessoal, mas não necessariamente aceita mexer em problemas estruturais que geram insatisfação.

Existem casos mais graves quando o coach se arrisca a aconselhar em aspectos que vão além do desenvolvimento profissional ou pessoal leve. Há relatos de coaches que dão pitacos em questões de saúde mental, problemas conjugais sérios, conflitos familiares profundos. Nesse ponto, deixa de ser apenas um placebo emocional inofensivo. Alguém que precisa de psicoterapia ou até de orientação psiquiátrica pode, iludido pelas promessas de mudança, acabar atrasando a busca por ajuda especializada. É nesse instante que a pseudociência se torna perigosa, pois encoraja a pessoa a ignorar alertas legítimos e protocolos clínicos em troca de uma fé cega na metodologia do coach, que, por sua vez, não estudou de forma consistente para lidar com transtornos mentais ou dinâmicas familiares complexas.

Em paralelo, há o fenômeno do uso indevido do adjetivo “quântico”. Qualquer pesquisador sério de física desconfia quando vê expressões como “método quântico de prosperidade” ou “reprogramação quântica de crenças”. Não há nada de física quântica nesses discursos; é só uma apropriação equivocada de termos que servem para dar um ar de sofisticação, semelhante ao uso daqueles jargões em inglês que mencionei antes. Acontece que algumas pessoas veem isso como algo quase místico, pensam que há uma ciência profunda por trás e sentem que estão investindo em algo revolucionário. No fundo, é apenas mais uma forma de ludibriar quem não tem conhecimento para questionar ou está emocionalmente fragilizado.

O mesmo vale para a suposta conexão do coaching com leis da atração ou mensagens do subconsciente. Não significa que a mente humana não possua recursos incríveis que podem ser explorados por meio de terapias legítimas ou processos reflexivos bem embasados. O problema está em reduzir tudo a uma cartilha de frases e de técnicas genéricas, prometendo desbloqueios instantâneos ou prosperidade garantida. Assim como medicamentos falsos podem prejudicar a saúde, métodos de coaching superficial podem prejudicar a confiança e o equilíbrio emocional de uma pessoa, que investe tempo e dinheiro e sai se sentindo ainda pior por não ter “vibrado” o suficiente.

Há também um ponto delicado: várias pessoas que entram no mundo do coaching como clientes não são, necessariamente, leigas em outras áreas. Muitas são profissionais de destaque que, por algum motivo, acreditam que precisam dar um “salto” no crescimento pessoal. Essa busca não é má em si mesma, pois todos nós podemos melhorar, mudar hábitos, evoluir. O problema ocorre quando essas pessoas, pelo prestígio que têm, validam e endossam metodologias vazias. Ao final de algumas sessões, podem se sentir animadas e passam a recomendar o coach para colegas, amigos, familiares. Cria-se um círculo de legitimação social que torna o questionamento mais difícil, já que o “coach das celebridades” ou o “coach que atendeu o diretor de tal empresa” ganha fama. Mas, em termos concretos, o que esse profissional efetivamente fez para sustentar o sucesso do cliente? Quais ferramentas de fato empregou? Quais evidências existem de que tudo aquilo não é apenas mais um placebo baseado em ilusão e carisma?

O ciclo de promessas vazias é alimentado pela ansiedade contemporânea. Vivemos numa época em que poucas pessoas querem processos longos de autoconhecimento ou mudança. Há pressa para tudo: pressa para conquistar sucesso financeiro, pressa para ser feliz no amor, pressa para superar traumas. Qualquer proposta que sugira uma solução rápida e fácil ganha adeptos, especialmente se estiver revestida de palavras que soem técnicas ou de um repertório pseudocientífico. Muitos coaches percebem essa brecha e oferecem programas intensivos de curta duração, cheios de dinâmicas e exercícios de autoafirmação. A sensação de mudança pode até surgir, mas logo fica claro que a vida cotidiana não se altera tanto assim apenas porque alguém resolveu “mudar o mindset” depois de um fim de semana de workshop.

Outro elemento enganoso é a ideia de que o coaching substitui terapias psicológicas ou psicanalíticas. Por mais que haja coaches que se esforcem para deixar claro que não atuam como psicólogos, sempre existe quem ultrapassa esse limite, seja por ingenuidade ou malícia. O cliente, muitas vezes, também não sabe distinguir. Acredita que sessões de coaching podem servir para tratar depressão, ansiedade severa ou problemas complexos de relacionamento. É um erro grave. Pode-se dizer que alguns coaches até cometem infração ética ao se colocarem em papéis que não lhes cabem, pondo em risco a saúde mental de pessoas que precisam de acompanhamento sério.

Ressignificando o mindset, agradecendo ao Universo e assumindo o controle da sua vida

Já ouvi histórias em que o coach desaconselhou o cliente de buscar ajuda psiquiátrica porque “isso diminui sua autonomia e impede que assuma o controle da sua própria vida”. É uma fala que flerta com o negacionismo científico, pois rebaixa a importância de protocolos médicos e incentiva a autossuficiência absoluta, como se os neurotransmissores e o funcionamento cerebral pudessem ser consertados unicamente pela vontade. Esse tipo de discurso se aproxima de seitas religiosas que alegam curar qualquer enfermidade pela fé. E, se a pessoa não se curar, a falha é atribuída à falta de crença, não ao método.

A pseudociência, portanto, não se manifesta só nos conceitos de neurociência ou física quântica distorcidos, mas também em conselhos irresponsáveis, contrários a cuidados profissionais adequados e a estudos consolidados. O show de promessas vazias se apoia muito nisso, pois, ao negar abordagens mais complexas e demandar apenas a adesão irrestrita do cliente, cria um ambiente de submissão, onde é proibido duvidar, e qualquer fracasso recai sobre os ombros de quem buscou ajuda. Esse quadro se repete em múltiplos depoimentos de pessoas que saíram arrasadas de processos de coaching, sentindo-se ainda mais culpadas por não terem tido o sucesso prometido.

A questão do placebo emocional fica evidente nesses relatos. O cliente paga, faz sessões, se empolga, acredita na mudança e, por alguns dias ou semanas, até experimenta um bem-estar ou uma sensação de que tudo está se alinhando. É semelhante ao que ocorre quando tomamos um remédio falso, mas cremos ser verdadeiro: a simples expectativa de melhora gera certo alívio. Com o tempo, porém, a realidade se impõe. A transição profissional que parecia ao alcance das mãos não acontece tão facilmente. O relacionamento que estava em crise não se salva com frases de empoderamento. A autoconfiança que parecia avassaladora aos poucos cede lugar às inseguranças anteriores. Então, a pessoa percebe que o coach não tinha fórmulas secretas, apenas repetia variações de mensagens de motivação.

Nesse ponto, muitos coaches já estão distantes do cliente, não raro usando as redes sociais para anunciar novos programas, com novos nomes e metodologias supostamente mais avançadas. Isso revela que grande parte do sucesso comercial desses profissionais vem do marketing pessoal, do domínio de técnicas de venda e da capacidade de encantar plateias, muito mais do que de um conhecimento profundo de desenvolvimento humano. Aqueles que fazem bons cursos de oratória e estudam um pouco de PNL (Programação Neurolinguística) para falar de modo sedutor encontram um público fértil em busca de palavras de esperança. Infelizmente, essa é a realidade.

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Existe, claro, uma minoria de coaches que se dedica com seriedade e se recusa a fazer promessas grandiosas. Pessoas que deixam claros os limites do coaching, que orientam seus clientes a procurar psicoterapia quando identificam sinais de transtornos mentais, que respeitam os domínios de outras profissões e usam técnicas apoiadas em evidências. Mas essa minoria não costuma ser a que faz mais barulho. Em geral, os que aparecem com maior destaque são os que gritam, que usam pirotecnia em palestras, que falam de “mindset quântico”, que transformam qualquer vivência ou insight num produto vendável.

O espetáculo de promessas vazias, pseudociência e placebo emocional se consolida, portanto, na interseção entre o desejo de soluções rápidas e a falta de regulamentação ou de critérios mais rigorosos. As pessoas querem acreditar que é possível resolver problemas complexos com algumas sessões ou palestras. Muitos profissionais do coaching, por sua vez, não veem necessidade ou valor em estudar metodologias mais aprofundadas quando podem, simplesmente, continuar repetindo o discurso triunfalista que funciona para encher auditórios. A cada ano, a demanda se renova, porque as ansiedades coletivas não cessam, e surge um novo contingente de gente vulnerável.

No fundo, o que fica é a constatação de que o coaching, em si, poderia ser algo positivo, caso estivesse ancorado em teorias e práticas sólidas e respeitasse suas fronteiras de atuação. No entanto, esse lado luminoso e promissor se vê sufocado por uma avalanche de ofertas irresponsáveis que transformam a imagem do coach em motivo de piada ou de ranço para muitos. Quando alguém diz que virou coach, a reação de inúmeras pessoas é de ceticismo ou até de riso, pois pensam imediatamente nos “profetas do mindset” que prometem mundos e fundos, misturam afirmações sem embasamento e não entregam resultado algum além de uma euforia passageira.

Quem sofre, em última análise, são os clientes que saem lesados e com a sensação de terem sido enganados. Há quem chegue a se endividar para bancar programas de “transformação total em 30 dias” e, ao fim, descubra que tudo se limitou a dinâmicas vazias, palestras motivacionais e um punhado de pseudociência. Também perdem os coaches sérios, que precisam lutar contra o estigma criado pelos charlatães. E perde a sociedade como um todo, que poderia se beneficiar de uma abordagem de orientação bem estruturada, mas acaba emaranhada num festival de mentiras e ilusões marqueteiras.

Talvez a saída seja aumentar o senso crítico. No momento em que o público passa a questionar mais, a pedir comprovações, a não se impressionar tão facilmente com palavras em inglês ou referências científicas jogadas ao vento, cai por terra a base que sustenta o show de promessas vazias. Já ocorreu isso em outras modas de autoajuda, que depois acabaram se mostrando insustentáveis. Contudo, enquanto persistir o romantismo diante de tudo que prometa crescimento acelerado e imediata redenção, haverá gente disposta a acreditar e gente disposta a vender esse sonho.

É fundamental compreender que a mudança pessoal ou profissional verdadeira exige esforço, tempo, conhecimento e, em muitos casos, acompanhamento especializado. Não se trata de um simples “vire a chavinha mental” ou “entre em sintonia com o universo quântico”. É claro que a motivação tem papel importante na vida de todos. Quem está desmotivado provavelmente vai encontrar dificuldade para atingir quaisquer objetivos. Mas a motivação, por si só, não é a solução. Ela é uma ferramenta entre muitas outras que precisam estar presentes para haver progresso.

Se um coach disser que seus métodos vêm de estudos em Harvard, do MIT ou de centros de excelência, é prudente pesquisar a veracidade dessas afirmações. Se prometer reprogramar traumas de infância apenas repetindo mantras positivos, deve-se duvidar. É sensato verificar se a pessoa estudou psicologia ou, no mínimo, se tem parceria com psicólogos, caso toque em assuntos sensíveis. Também é bom analisar se ela apresenta provas reais de resultados, não só depoimentos vagos ou histórias de sucesso que podem estar infladas ou até inventadas.

Nesse contexto, o placebo emocional se materializa no momento em que o coach convence alguém de que está curado de suas inseguranças, de que atingiu a iluminação profissional, quando na verdade só viveu um sopro de entusiasmo. A realidade não tardará a mostrar que problemas estruturais continuam lá. É diferente de um processo de terapia, consultoria ou mentoria bem fundamentado, que pode levar tempo, mas constrói mudanças de forma duradoura. Aquilo que é duradouro geralmente não vem em pacotes de final de semana ou em palestras de uma hora regadas a frases de efeito.

Pensando bem, não há nada de errado em buscar estímulo, ouvir palavras positivas e receber um empurrãozinho para encarar desafios. O erro está em transformar isso num espetáculo de promessas irreais, usando pseudociência para iludir as pessoas e culpá-las quando não conseguem sustentar o suposto “novo nível de consciência”. A indústria do coaching que se apoia nesse modelo coloca em risco não apenas o bolso, mas também a autoestima e, em alguns casos, a saúde mental de quem cai nessas armadilhas.

Talvez o maior problema seja a recusa desses coaches de reconhecer a complexidade do mundo. É mais fácil dizer “basta ter vontade” do que apontar que a vida é influenciada por aspectos econômicos, políticos e sociais. É mais cômodo afirmar que a depressão é falta de foco e colocar o cliente diante de espelhos e afirmações diárias, em vez de aceitar que existem transtornos psicológicos que pedem acompanhamento especializado. É mais vendável falar de “campo quântico” do que admitir que as pessoas podem fracassar por uma série de motivos que escapam ao seu controle direto. E essa negação da realidade sustenta um teatro de soluções prontas, mas não entrega nada de fato duradouro.

Enquanto esse show se mantiver de pé, veremos mais gente saindo de palestras ou de processos de coaching com a sensação de terem sido enganadas. Alguns, talvez, se tornem cínicos e rejeitem qualquer tipo de ajuda ou orientação no futuro, mesmo aquelas que realmente poderiam fazer diferença, pois não conseguem mais separar o joio do trigo. Esse ceticismo generalizado acaba prejudicando até mesmo profissionais sérios, que precisam se desdobrar para provar que não são parte do mesmo balaio de promessas vazias.

No fim, o que fica é a constatação de que o coaching poderia ser algo digno de respeito, se não estivesse atolado em práticas pseudocientíficas e se não se vendesse como panaceia. Haveria espaço para uma proposta honesta de acompanhamento e desenvolvimento de pessoas e equipes, com metodologias claras, delimitações éticas e uma profunda conscientização sobre o que se pode ou não prometer. Mas, no ritmo atual, o que predomina é o barulho dos “gurus” que repetem incessantemente “mude seu mindset, você é ilimitado, reescreva seu DNA” e deixam como legado um rastro de gente decepcionada.

Por tudo isso, é difícil não ter uma postura crítica diante do show de promessas vazias e da avalanche de termos pseudocientíficos que nada mais são do que placebo emocional. Quem ainda acredita que esse tipo de coaching trará a grande virada de vida, talvez não tenha se dado conta de como está depositando fé em algo que mal se sustenta na prática. Não significa que as pessoas não possam encontrar algum alento, mas chama-se alento, não solução. Quando a maré baixa, o que sobra é apenas a constatação de que o discurso era raso e, no fundo, não havia tanta substância assim.

É por essas e outras que muitos acabam vendo o coaching como uma moda que, mais cedo ou mais tarde, será abandonada, tal qual certas dietas milagrosas ou terapias new age que estouram na mídia e depois somem. Pode até ser que uma parcela de coaches persista, refinando suas técnicas e buscando seriedade, mas, enquanto a pseudociência e a promessa de consertar tudo em poucas sessões ainda encontrarem terreno fértil, o mercado permanecerá saturado de charlatões e de clientes frustrados.

Como consequência, a credibilidade do conceito também cai por terra. Quem tenta enxergar algo de valor numa orientação estruturada e bem delimitada, com metas e indicadores palpáveis, esbarra na má fama que se alastra quando se descobre quantos coaches fabricam diplomas duvidosos, quantos cursos oferecem milagres e quantos eventos vendem essa ideia de reprogramar o cérebro com meia dúzia de frases bonitas. Se, por acaso, alguém apontar uma análise mais criteriosa, logo é taxado de “haters” ou “pessoas negativas”. Tem se tornado cada vez mais comum ver esse rótulo para qualquer um que tente um debate minimamente racional sobre as bases do coaching.

Assim se consuma o grande paradoxo: coaching, que deveria ser algo voltado a trazer clareza e foco, muitas vezes descamba para a confusão e a negação de evidências e limites concretos. E, dentro dessa negação, nasce o espaço propício para o placebo emocional, onde o paciente acha que está curado, mas, ao acordar no dia seguinte, percebe que a dor ainda lateja. O discurso de “você pode tudo” acaba soando cada vez mais vazio quando confrontado com a realidade de um mundo cheio de nuances e obstáculos.

Nada disso anula a possibilidade de, um dia, o coaching encontrar um caminho mais sério. Existem iniciativas de alguns grupos e associações que tentam organizar boas práticas, emitir selos de qualidade e criar uma base conceitual robusta. Ainda assim, sem alguma forma mais robusta de autorregulação ou regulamentação, sempre prevalecerá o ruído que mistura qualquer esforço bem-intencionado com as promessas fantasiosas de coaches genéricos. Mesmo que alguém genuinamente capacitado apresente uma metodologia digna de respeito, ela será facilmente confundida com o marketing barulhento dos entusiastas do “mude seu mindset” e nada mais.

Em síntese, este show de promessas vazias, pseudociência e placebo emocional persiste porque encontra, na sociedade contemporânea, um público sedento por resultados rápidos e encantado com discursos que evocam ciência sem de fato praticá-la. Enquanto as pessoas não desenvolverem um filtro mais exigente, enquanto não perceberem que mudança real demanda estratégias sólidas, estudo, apoio profissional multidisciplinar e tempo, o circo seguirá armado, alimentando a indústria de palestras e cursos relâmpago de formação de coach. O risco imediato recai sobre quem paga a conta e ainda sai se sentindo culpado, acreditando que não conseguiu porque não se esforçou o suficiente, mesmo que a culpa maior seja de quem vendeu um pacote oco.

Vende o carro, pede emprestado ao vizinho, hipoteca o cão… mas não percas esta oportunidade única de te tornares coach e ensinar os outros a ficarem ricos (mesmo que tu ainda não estejas)! 

Toda essa análise nos leva à conclusão de que a maior parte do que se diz coaching hoje se ampara em ilusões úteis apenas para o curto prazo, iludindo o cliente e tornando-o uma testemunha cega de um processo que carece de fundamentos. O recado que fica é: desconfie de metodologias que prometem resolver problemas complexos em tempo recorde, que se escoram em jargões ou pseudociência, e que culpam o cliente por qualquer insucesso. Em vez disso, procure referências, entenda qual a real formação do profissional e avalie se o que está sendo proposto faz sentido no seu contexto.

É dessa forma que se pode escapar do placebo emocional e encarar com olhos atentos o que se esconde por trás de tanto barulho e tanta promessa. Sob a superfície, muitas vezes há apenas um punhado de discursos reciclados que não resistem a um exame crítico, mas que se perpetuam pelo fascínio que exercem sobre quem procura resposta imediata. Enquanto isso, quem manipula tudo no palco se mantém seguro, protegido pela desculpa de que qualquer falha é do cliente, nunca do método. Esse esquema fechado constitui a essência de qualquer prática que se assemelha a uma crença ou a uma seita, e não a um método racional de desenvolvimento.

Quem escolhe acreditar cegamente acaba, em certa medida, escolhendo permanecer cego. Porém, há esperança de que, à medida que mais pessoas contem suas experiências, apontem incoerências e compartilhem frustrações, o público se torne mais cauteloso. Se de um lado existe um contingente que, ao ficar insatisfeito, se cala por vergonha de admitir que foi ludibriado, de outro lado cresce o número de vozes dispostas a expor a farsa. E, com isso, talvez uma parcela maior da sociedade finalmente compreenda por que o coaching recebe tantos olhares de desconfiança e zombaria. Não se trata de pura implicância, mas de um cenário construído por promessas vazias, linguagens pseudocientíficas e um imenso efeito placebo para mascarar a ausência de conteúdo real.

O fenômeno do coaching, no que diz respeito aos efeitos colaterais, muitas vezes só se revela depois que o entusiasmo inicial se dissipa. Pessoas que passam semanas ou meses acreditando ter encontrado a solução definitiva para problemas de relacionamento, carreira ou autoestima acabam se deparando com uma realidade bem mais dura. Já ouvi incontáveis relatos de gente que investiu altas quantias em programas intensivos, comprou pacotes de horas de “sessões transformadoras” e, ao final, saiu com a sensação de ter perdido tempo e dinheiro. Não é incomum encontrar pessoas que, depois de viver esse desapontamento, preferem ficar em silêncio por vergonha de admitir que foram enganadas, ou que se frustraram com resultados muito aquém das promessas vendidas.

Em certas situações, os efeitos colaterais não se limitam à decepção pessoal, mas afetam relacionamentos, laços familiares e até a dinâmica em empresas. Vi exemplos de gente que, após se envolver com um coach que prega a ideia de “ciclos a serem fechados”, inicia um processo de “limpeza” na vida afetiva. De repente, decide que o parceiro, os amigos ou os familiares não “combinam mais” com seu “novo mindset” e, sem empatia ou cuidado, rompe vínculos que levaram anos para serem construídos. Muitas vezes, isso é incentivado pelo próprio coach, que enfatiza a necessidade de cortar tudo que atrapalhe o progresso ou que transmita “vibrações negativas”. É um discurso sedutor para quem deseja mudar rapidamente, mas que ignora o fato de que relações humanas são complexas e, em muitos casos, precisam de ajustes e diálogo, não de extirpação radical.

A mesma lógica aparece no ambiente de trabalho. Já escutei histórias de profissionais que, após certo treinamento de coaching, passaram a tratar colegas de forma fria ou arrogante, sob a justificativa de “estar focado em resultados” ou “encerrar ciclos tóxicos”. O problema é que, muitas vezes, esse comportamento gera um clima pesado na equipe, acentua conflitos e prejudica a cooperação. O coach, em suas falas, pode ter exaltado a ideia de “você precisa se livrar de tudo que não serve ao seu sucesso”, mas esqueceu de mencionar que ambientes profissionais envolvem pessoas diferentes, opiniões divergentes e a necessidade de negociação constante. Ao contrário de melhorar o desempenho, esse tipo de mentalidade acaba isolando o indivíduo e, não raro, minando sua reputação.

Há também um universo de exemplos do que se passa em palestras ao vivo ou em transmissões online. Já presenciei eventos em que o coach faz a plateia gritar frases de motivação, pular e celebrar como se estivessem numa festa de réveillon, jurando que esse estado de euforia é a prova de que a transformação interna começou. A galera se emociona, sente um arrepio na espinha e acredita que “agora tudo vai dar certo”, mas, ao saírem do auditório, retornam ao cotidiano com suas mesmas preocupações. O único diferencial é que, durante alguns dias, ficam repetindo as palavras de ordem que ouviram, até o efeito se dissipar. Em transmissões online, a cena se repete: o coach pede que os espectadores batam palmas na frente da câmera, compartilhem depoimentos de mudança, façam listas de objetivos. Tudo parece incrivelmente promissor, mas poucos meses depois, a vida real cobra coerência.

Algumas pessoas se apegam tanto a esse ritual de frases motivacionais que passam a desprezar conselhos de profissionais de verdade, como psicólogos, consultores financeiros ou mentores técnicos que poderiam oferecer ajuda concreta. Vi acontecer com uma conhecida que, em vez de procurar assistência especializada para lidar com um transtorno de ansiedade, preferiu insistir em sessões de coaching. O coach dizia que ela precisava “dar um basta na procrastinação” e “concentrar-se em fechar ciclos”. Essa conhecida, em certo ponto, começou a ficar agressiva com familiares e amigos, porque queria “limpar as más influências”. No fim, descobriu que seu problema não estava em más influências ou em procrastinação, mas numa crise de ansiedade crônica que pedia tratamento profissional. O processo demorou mais do que deveria, pois ela perdeu tempo tentando, de forma quase religiosa, aplicar dicas simplórias de um coach que não tinha a menor compreensão de saúde mental.

Nos relacionamentos românticos, também há histórias de casais que se desentendem depois que um deles faz coaching. A pessoa que passou pelo processo, convencida de ter encontrado uma nova iluminação, começa a cobrar o parceiro para que também mude o mindset, para que foque mais em metas financeiras ou na “liberação da criança interior”. Se o outro não embarca nessa narrativa, cria-se um abismo entre ambos, muitas vezes levando a brigas e separações que poderiam ter sido evitadas com diálogo ou com uma abordagem menos unilateral. Não se nega que, em alguns casos, mudanças positivas podem ocorrer – mas, em muitos, o que surge é uma desconexão entre quem adota o discurso do coach e quem não se identifica com ele.

Uma amiga contou que o ex-namorado se tornou obcecado por “empoderamento financeiro” depois de algumas sessões de coaching. Passou a anotar valores ambiciosos em papeizinhos pela casa, cobrava dela uma postura mais “produtiva”, acusando-a de falta de empenho sempre que algum plano não dava certo. Ela me relatou que se sentia constantemente julgada, como se fosse preguiçosa ou incapaz. O mais irônico é que o próprio coach não trazia soluções efetivas para os problemas práticos, apenas repetia que “querer é poder” e que “se não está funcionando, é porque você não quer de verdade”. Esse discurso desgastou o relacionamento, minou a cumplicidade do casal e, no fim, resultou no término. Houve mágoas que levaram muito tempo para serem superadas, tudo por causa de uma experiência de coaching mal conduzida.

O Grande Espetáculo do Coaching: Um Show de Vendas ou Um Circo de Horrores? 

Nos eventos presenciais que vendem uma imagem de “megaexperiência transformadora”, ocorrem também situações quase teatrais. Já vi coach fazer encenações dignas de show de auditório, chamando voluntários ao palco para falar sobre seus traumas, expondo sentimentos pessoais diante de uma plateia de estranhos. A pessoa pode até chorar, receber aplausos e abraços, mas o que acontece depois? Será que houve um encaminhamento para terapia? Será que aquele trauma foi tratado de forma responsável? O coach, muitas vezes, some do mapa após o evento, pois sua função era criar um clima de catarse. Quem sai do palco pode até sentir leveza momentânea, mas não passou por um processo contínuo de elaboração emocional. Fica, então, aquela sensação de vulnerabilidade e, em casos extremos, é possível até que surjam reações negativas, como crises de ansiedade ou depressão reativadas pela exposição pública.

Assistir a transmissões online costuma ser menos intenso do que presenciar o show ao vivo, mas nem por isso deixa de ter seus efeitos colaterais. Há plataformas onde o coach mantém uma sala virtual cheia de assinantes, que pagam mensalidades para ouvir as palestras regulares, participar de grupos de discussão e receber desafios semanais. O problema é que muitos desses desafios não têm qualquer embasamento técnico e podem acabar causando pressão psicológica nos participantes. Coisas do tipo “Faça 50 ligações frias por dia para vender seu produto” podem prejudicar alguém sem preparo emocional ou treinamento adequado de vendas, gerando frustração e até medo de rejeição. O coach não está lá para amparar ou oferecer análise de resultados e estratégias. Geralmente, só diz “continue tentando, supere seus bloqueios”. O participante, ao não alcançar o suposto sucesso, se sente incompetente.

Já encontrei casos em que o indivíduo, depois de um tempo no programa online, se irritou com o coach e foi expulso do grupo por questionar abertamente a eficácia do método. Cria-se uma espécie de bolha, onde apenas a positividade e o triunfalismo são tolerados. Qualquer dissidência é vista como energia negativa, como algo que “contamina” os demais membros. Essa mentalidade pode se comparar à dinâmica de certas seitas religiosas, em que o líder afirma possuir a verdade suprema e expulsa ou silencia quem se atreve a duvidar. No coaching, essa barreira de proteção é muitas vezes reforçada pelos termos em inglês, pela pseudociência ou pela própria manipulação emocional que promete grandes mudanças.

Há depoimentos ainda mais graves de gente que abandonou planos profissionais realistas para perseguir um sonho embalado em promessas de “liberdade financeira” ou “criação de uma empresa milionária em seis meses”. Enquanto é apenas um sonho, não há problema. Mas quando a pessoa faz empréstimos, investe o que não tem e, ao fracassar, descobre que o coach jamais explicou os riscos ou a necessidade de um estudo de viabilidade, o estrago já está feito. O dono do processo motivacional, nesse tipo de situação, simplesmente se esquiva e diz que o cliente não se dedicou o suficiente ou não acreditou de forma plena. Isso gera ressentimento profundo e, claro, põe fim a qualquer relacionamento profissional ou pessoal que ainda houvesse.

No dia a dia das redes sociais, as cenas se repetem com anúncios e lives em que se vê o coach bradar que “eu mudei a minha vida, agora quero mudar a sua”. Tem sempre um vídeo de antes e depois, com imagens de alguém supostamente derrotado, e que hoje leva uma vida de luxo. Ocorre que, muitas vezes, esse luxo é encenado: carros alugados, casas emprestadas para gravação, cenários cuidadosamente montados para impressionar. O público fica encantado, acha que aquele profissional é a personificação do sucesso, mas não percebe que está diante de uma fachada. Há influenciadores que fazem disso um negócio: vendem a imagem de milionários, mesmo sem ter o patrimônio que afirmam possuir. As pessoas que compram pacotes de coaching dessas figuras acabam descobrindo, tarde demais, que foram seduzidas por uma encenação que nada garante na prática.

Também acontecem situações em que o coach usa depoimentos positivos de supostos clientes que “alcançaram a prosperidade”, mas ninguém verifica se essas histórias são verdadeiras ou se são apenas testemunhos falsos pagos para legitimar o treinamento. Isso tudo colabora para que surjam relacionamentos arruinados: cônjuges brigam porque um deles caiu nesse enredo e passa a gastar dinheiro com cursos, eventos, e até convenções de coaching, trazendo para casa um discurso agressivo ou desrespeitoso para com as pessoas que “não acreditam” o suficiente. Pais e filhos podem se desentender quando o jovem decide seguir a cartilha do coach, recusando conselhos familiares e tratando a própria família como “ultrapassada” por não entender os “novos paradigmas”. Em empresas, colegas deixam de cooperar entre si porque um deles adota a postura de que “não trabalha com gente que não vibra na mesma frequência de sucesso”.

Na esfera pessoal, o mais doloroso é ver pessoas que saem do coaching acreditando que precisam encerrar amizades antigas porque supostamente não lhes servem mais. Aquelas conversas que antes eram afetuosas e descompromissadas dão lugar a uma obsessão por metas, resultados, dinheiro. Quem não segue a mesma cartilha é taxado de fraco, preguiçoso ou perdedor. A vítima dessa mentalidade pode levar anos para perceber o erro e, quando volta atrás, às vezes já perdeu conexões valiosas. Isso tudo é consequência de uma doutrinação que prega a máxima de “afaste-se do que não eleva seu nível de energia”. Em teoria, faz sentido não conviver com quem nos faz mal, mas, na prática, aplicar esse filtro sem critérios racionais pode excluir quem na verdade nos apoia ou nos confronta de forma construtiva.

O que se observa, portanto, é que os efeitos colaterais vão muito além do desencanto pessoal. Eles se espalham pela rede de relações, provocando danos que, em certos casos, jamais são reparados. Não é coincidência que muitos desses relatos sejam semelhantes: alguém embarcou na promessa de mudança rápida, adquiriu discursos prontos e, ao final, se viu sozinho, endividado ou brigado com as pessoas que ama. Em eventos presenciais, a teatralidade impressiona e convence a curto prazo, mas, sem sustento sólido, cai por terra rapidamente. Online, a exposição constante de uma vida de supostos sucessos engana quem não investiga e consolida a crença de que basta ter o “mindset correto” para chegar lá.

Também existe o perigo de quem, depois de ver esses problemas todos, tente se tornar coach para “salvar” a atividade e mostrar que é possível um coaching honesto. A ideia não é ruim, mas, sem preparo e sem uma base teórica, a pessoa pode acabar caindo no mesmo padrão do qual queria fugir. Ela repetirá jargões e tentará ensinar algo para o qual não foi treinada. A consequência é que, em vez de resolver a questão, torna ainda mais confusa a distinção entre charlatães e profissionais de verdade. A falta de parâmetros alimenta a noção de que qualquer um pode virar coach, desde que seja desinibido, articulado e goste de falar em público.

Certo é que há quem faça um trabalho mais responsável, com abordagens específicas e limitadas ao que efetivamente domina, usando exercícios de reflexão, planejamento e acompanhamento de metas. Essas pessoas raramente prometem milagres e, em geral, deixam claro que não são psicólogos ou psiquiatras, e que, se o cliente apresentar problemas de saúde mental, devem indicá-lo a outro profissional. Infelizmente, esse perfil sério não é o que costuma ter maior alcance em redes sociais ou palcos, pois o discurso pé no chão não gera o mesmo fascínio que a promessa de resultados imediatos e espetaculares. Assim, quem consome coaching em larga escala, seja presencial ou online, muitas vezes topa com esse marketing agressivo e sedutor que não explica nada em profundidade.

A terceira dimensão dessa conversa, que mostra de forma contundente os efeitos colaterais, são os relacionamentos que se deterioram por excesso de “cobrança” de metas irreais. Alguém que embarca na mentalidade do coach e começa a achar que qualquer desvio ou fracasso é sinal de “falta de força de vontade” pode tornar-se um parceiro, amigo ou colega de trabalho insuportável. Vive fiscalizando metas, manda frases prontas, cobra resultados e insiste que não existe obstáculo que um bom mindset não supere. De fora, parece só arrogância e simplificação de problemas complexos. Por dentro, essa pessoa pode até estar genuinamente convencida de que está ajudando, de que empurra o outro para “um nível superior de desempenho”. Quando se dá conta de que apenas desgastou laços, às vezes é tarde demais.

Esse cenário de relações desfeitas e frustrações acumuladas costuma ficar evidente na fala de quem se cansou do discurso pronto. Tem quem diga que, antes do coaching, era até mais compreensivo e tinha mais tolerância com as dificuldades alheias; depois, virou alguém intransigente, mergulhado em metas próprias e ignorando tudo que não favoreça seu objetivo. Conheço histórias de gente que perdeu amizades de longa data porque adotou a mentalidade de “se não apoia meu sonho, não serve para mim”. Em tese, parece motivacional, mas na prática, pode significar: “se você não pensa igual a mim, está fora”.

Pagas Para Ser Hipnotizado e Ainda Aplaudes 

Muitos desses problemas são reforçados por uma dinâmica de palco ou de ambiente virtual em que o coach exige testemunhos positivos. A pessoa que não quer ficar constrangida pode acabar inventando ou exagerando sua suposta evolução, alimentando o discurso e garantindo a propaganda do curso. Tudo isso só cai por terra quando a conta chega e a realidade mostra que boa parte dos depoimentos eram fantasiosos. Há quem se sinta enganado ao perceber que aqueles vídeos de “antes e depois” não correspondem à experiência real, ou que os cases de sucesso apresentados no palco não são verificados por ninguém.

Para quem assiste a transmissões, fica a impressão de uma comunidade triunfante, onde todos conquistaram algo extraordinário. O que não se mostra é a quantidade de pessoas que desistiram no meio do caminho, que não obtiveram resultados e simplesmente abandonaram o processo, sumindo dos grupos sem alarde. O coach segue ostentando aqueles que tiveram algum êxito, e assim a narrativa se mantém viva. Quando o espectador comum vê isso, pensa que a chance de sucesso é altíssima. Na verdade, apenas foi feita uma seleção de quem conseguiu alguma melhora, por qualquer que seja o motivo.

Com tudo isso, não é difícil entender por que tantas histórias de relações rompidas, carreiras prejudicadas e uma sensação generalizada de frustração permeiam o universo do coaching mal aplicado. Quem passa por esse tipo de decepção tende a ficar ressentido e, em muitos casos, nutre um rancor profundo contra a figura do coach. Nessas horas, a profissão ganha aquela pecha de picaretagem, pois as pessoas lembram dos danos causados e da forma como foram tratadas. Por outro lado, há quem ainda acredite nos discursos milagrosos e ache que basta mais um curso, mais um workshop, mais um módulo avançado para, finalmente, destravar o “mindset ideal” e ficar milionário, encontrar a paz interior ou seja lá qual for a promessa.

Se não estás disposto a investir em ti mesmo, como esperas que o universo invista em ti? 

Um outro possível capítulo dessa saga, portanto, demonstra que os efeitos colaterais do coaching sem responsabilidade não se limitam a um desapontamento silencioso. Eles se manifestam em relacionamentos destruídos, famílias rompidas, equipes de trabalho desestruturadas e pessoas que se veem isoladas, sem o apoio de antes. O coach que adota discursos superficiais, aliados a uma visão de tudo ou nada, ignora a sutileza das relações humanas. O público que consome esses serviços, por vezes, não entende a complexidade do que está em jogo e compra a ideia de que basta vontade e fé no método.

Daria para contar dezenas de outras histórias, de eventos presenciais que mais parecem espetáculos musicais, com coach e plateia gritando em uníssono. Daria para falar de transmissões online onde os participantes precisam declarar publicamente quanto planejam ganhar no próximo mês, sob pena de parecerem acomodados. Daria para lembrar das brigas conjugais que explodem quando um se torna adepto fervoroso das máximas do coach e o outro não suporta mais a pressão e o julgamento. Esse cenário, no entanto, só reforça a mesma conclusão: a prática do coaching, quando conduzida de maneira irresponsável, gera danos colaterais muito reais, e muitos dos envolvidos se arrependem ou se ressentem amargamente depois.

Talvez a maior ironia seja que, no final, quem sai mais prejudicado não é necessariamente o coach, mas o cliente que apostou alto e perdeu. O coach, afinal, segue para o próximo contrato, aparece em outro palco, faz outra transmissão, criando sempre novos públicos. O indivíduo que teve seu relacionamento afetivo esfacelado ou um contexto profissional abalado tem de lidar com as consequências concretas dessas escolhas. Resta esperar que relatos como esses sirvam de alerta para quem considera entrar nesse universo sem discernimento crítico. É fundamental entender que, no foco obsessivo por metas e no discurso de “fechar ciclos”, podem surgir efeitos desastrosos que vão além de meras decepções pessoais, incluindo perdas relacionais importantes e danos à própria saúde emocional.

Muitas vezes, assistir a uma palestra de coaching “transformacional” ou “motivacional” parece mergulhar num universo paralelo em que tudo se resolve com vontade, fé no método e algumas palavras de efeito. O curioso é que, ao mesmo tempo, os coaches que sobem ao palco gostam de fazer promessas extraordinárias, oferecendo a ilusão de que qualquer dificuldade, por maior que seja, será superada. Num evento ao vivo ou numa transmissão online, eles costumam repetir frases que tentam soar profundas, mas soam mais como slogans vazios. É possível ouvir coisas como “você só está pobre porque ainda não despertou o seu gigante interior”, “a escassez é uma mentira que você conta para si mesmo” ou “o universo está pronto para te dar tudo, basta você abrir a caixa da abundância”. Não importa que a pessoa trabalhe numa empresa onde recebe um salário miserável, sem perspectiva de crescimento, ou que enfrente um ambiente tóxico: o coach faz parecer que, se ela não prospera, é por pura falta de visão ou coragem.

Em certos momentos, chega a dar vontade de rir quando o coach, diante de uma plateia composta por gente que, no dia seguinte, voltará a bater ponto num emprego desgastante, solta um grito de guerra tipo “quem quer ser milionário levanta a mão” e a sala inteira se agita, como se aquilo bastasse para mudar a realidade salarial de todos. Se alguém levantasse a voz para perguntar “ok, mas como se faz isso ganhando um salário mínimo e morando a duas horas de distância do trabalho?”, o palestrante provavelmente responderia com algo do tipo “você precisa quebrar as correntes mentais que te aprisionam” ou “comece a empreender nos seus horários livres, você faz seu destino”. Soa bonito, mas na prática, muitas dessas pessoas mal têm tempo para dormir direito, enfrentam transportes lotados e, se decidem “empreender”, o fazem num cenário de incertezas onde falta capital, experiência ou apoio real.

Agora, todos de pé! Batam palmas, gritem ‘Eu sou ilimitado!’, abracem o desconhecido ao lado e saltem três vezes para desbloquear a abundância... Pronto, agora que estão suados e ligeiramente humilhados, passem no balcão para comprar o pacote premium! 

Há um momento clássico, em muitas palestras, em que o coach manda todo mundo ficar de pé para “sacudir a energia negativa”. A plateia pula, sacode os braços, grita “eu posso, eu consigo, eu sou ilimitado” e sente aquele calor que percorre o corpo. Dá para ver gente até emocionada, acreditando que encontrou uma faísca de esperança. O coach reforça com frases como “se você continuar firme nesse propósito, nada vai te deter” ou “lembre-se: não existem pessoas fracassadas, só pessoas que ainda não viram o próprio potencial”. Num ambiente controlado, cheio de música de fundo triunfante, fica mais fácil achar que todo obstáculo vai se dissolver. Mas, no dia seguinte, quando o despertador toca às cinco da manhã para uma rotina exaustiva, a realidade não perdoa. Enquanto isso, o coach segue para o próximo evento ou volta a postar vídeos de “metamorfose de vida” nas redes sociais, talvez usando cenários luxuosos que nem sequer lhe pertencem.

Alguns desses coaches amam repetir fórmulas que, para quem está numa situação difícil, parecem piada pronta. Um exemplo típico é “o dinheiro não está no banco, está na sua mente” ou “pare de se conformar e comece a agir como milionário”. Vale perguntar o que isso significa de verdade: agir como milionário implica ter acesso a recursos que a pessoa não tem, ou fingir um estilo de vida enquanto se endivida e arrisca tudo sem planejamento? Outro mantra comum é “você não é empregado, você é dono da sua carreira”, ignorando que há incontáveis estruturas hierárquicas e precarização do trabalho, e que nem todo mundo tem a chance de simplesmente virar as costas para o patrão e virar CEO de si mesmo.

Em transmissões online, a conversa segue a mesma linha. O coach entra ao vivo, decorando o cenário com luzes coloridas, às vezes uma prateleira repleta de livros de autoajuda, e anuncia: “Quem quer mudar de vida, vem comigo que vou te ensinar o passo a passo”. O dito “passo a passo” geralmente é algo vago, como “primeiro, mude suas crenças limitantes; depois, estabeleça metas ousadas; por fim, seja implacável com seus objetivos”. As pessoas mandam emojis de aplausos no chat, pedem dicas, perguntam como aplicar isso no dia a dia. O coach, sem se aprofundar em variáveis complexas, responde algo como “acredite mais em você” ou “não se torne escravo das opiniões negativas”. Tudo bem até aí, se não fosse vendido como a solução universal para problemas que envolvem falta de dinheiro, doenças na família, pressões sociais, violência urbana, e tantas outras dificuldades que não se resolvem só com mindset.

Também se vê coach motivacional usando metáforas que beiram o absurdo. Há quem diga “as águias não voam com galinhas, então se você quer ser águia, pare de andar com as galinhas por aí”. Falam isso para uma pessoa que trabalha numa firma com chefes ruins, colegas desmotivados e metas inalcançáveis, como se ela pudesse simplesmente alçar voo e se livrar de tudo num estalar de dedos. Ou então “a lagarta só descobre que tem asas quando pula do galho”, que serve para encorajar decisões temerárias, como largar o emprego sem plano B ou injetar o dinheiro que não tem num negócio incerto, tudo em nome de “sair da zona de conforto”. Quem questiona a viabilidade dessas ações, muitas vezes, é tachado de conformista ou de “vibrar em frequência baixa”. Esse simplismo motiva para quê e para quem? Para o bolso de quem vende o discurso, sem dúvida.

Desapega do medo, das crenças limitantes, do salário fixo… mas não te esqueças de me pegar aqui no final para pagar o curso avançado! 

Outra frase de efeito comum é “desapegue do salário fixo, você merece infinitamente mais”. Pode ser inspirador para uma minoria que tem contatos, acesso a crédito e formação que permita abrir um negócio de potencial. Mas para o sujeito que, todo mês, mal consegue cobrir as contas, esse papo soa quase como uma zombaria. Ele não ignora que “merece mais”, mas o coach não explica como enfrentar a competitividade do mercado, como driblar a burocracia, como obter capital inicial ou como lidar com a instabilidade de empreender. A motivação parece servir apenas a uma narrativa de que, se está mal, é porque “você pensa pequeno”. E isso gera um certo fetiche pela arrogância, pela ideia de que quem não segue esse caminho é perdedor. Pode até ser que, num momento, a pessoa se sinta inflada e comece a falar como se estivesse “um degrau acima”, porém, na prática, isso não se traduz em mudanças concretas se não houver um plano real.

Em palestras presenciais, cheias de efeitos sonoros e projeções de slides coloridos, os coaches transformacionais costumam criar dramatização para envolver a plateia. Fazem perguntas retóricas do tipo “você se conforma em ganhar mil, dois mil, três mil reais por mês?” e todo mundo responde não. Então vem a pancada: “então por que você está aí parado? Acorda para a vida! Vá conquistar o que é seu!”. A sala vibra, o coach pede aplausos e segue com um sorriso confiante. Ninguém discute a desigualdade social, a má gestão das empresas, a falta de políticas de valorização do trabalhador. O discurso se concentra em culpabilizar o indivíduo por não “ambicionar mais”. Se alguém se levantasse para perguntar “mas como eu lido com meu chefe opressor e a ausência de vaga no mercado?”, o coach provavelmente diria “saia desse emprego, você está se rebaixando, seu valor é maior que isso”. Pode até ser verdade em tese, mas nem todo mundo tem a rede de proteção para arriscar meses sem renda.

Quando se fala de motivar quem ganha mal, trabalha numa empresa horrível, sofre abusos ou, simplesmente, não consegue espaço para crescer, o que se espera é, no mínimo, orientações que ajudem a pessoa a lidar com a realidade, com estratégias para melhorar o currículo, buscar novas oportunidades, organizar finanças, quem sabe fazer um curso de capacitação. Mas, nesses eventos, raramente aparece algo tão objetivo. Em vez disso, o coach manda “reprogramar seu DNA financeiro” e “canalizar energias de abundância”. Se a pessoa não tiver um filtro crítico, vai achar que basta acordar cedo, mentalizar prosperidade e, de repente, a situação muda. Quando não muda, o culpado é o próprio sujeito, que supostamente não acreditou o bastante ou não aplicou o método corretamente.

  • É comum ver, nas transmissões online, os coaches contando histórias de superação que mais parecem contos de fadas. Apontam alguém que “saiu do zero e agora é um empresário de sucesso”, mas omitem que esse alguém tinha contatos, um diploma de primeira linha ou herdou algum capital. Ou então mostram o relato de uma pessoa que diz “eu estava quebrado, mas decidi investir no meu potencial e hoje faturei cem mil em um mês”. Não se explica que tipo de negócio a pessoa fez, se teve empréstimos, se contou com marketing pesado ou se foi um golpe. O importante, para o coach, é a moldura: “foi a mudança de mentalidade que gerou o resultado”. Assim, quem escuta fica achando que basta essa chavinha mental. De novo, não se discute a quantidade de esforço real, planejamento, oportunidades. O absurdo é que o coach vende essas histórias como prova de que qualquer um, em qualquer contexto, pode fazer igual.

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Outro absurdo presente em muitos discursos: “Você não precisa de chefes, você é o seu próprio chefe”. Esse chavão é repetido à exaustão, sem considerar que nem todo mundo quer ou pode ser empreendedor, e que muitos até preferem a estabilidade (mesmo que relativa) de um emprego formal. Mais ainda: algumas pessoas se realizam profissionalmente em carreiras onde não há tanto espaço para liberdade. Imagine um pesquisador, um professor de escola pública ou um funcionário que lida com questões altamente específicas e não vê sentido em abandonar tudo para abrir um negócio. Mas o coach pinta esse cenário como se fosse uma corajosa ruptura que todo mundo devesse realizar. Para quem ganha mal, talvez pareça uma luz no fim do túnel, até descobrir que a estrada é longa e pode custar caro.

Também chama atenção o tema de “as frases de empoderamento que geram culpa”. Tem coach que adora cravar “se você não tem sucesso, é porque você ainda não quer de verdade”. Isso, no palco, arranca aplausos e gera um clima de “sim, eu quero”. Mas, na realidade, há milhões de razões pelas quais uma pessoa pode não estar prosperando: problemas de saúde, obrigações familiares, limitações de tempo, ambiente opressor ou pura falta de oportunidade. Reduzir tudo a “você não quis o bastante” é cruel. Motiva para quê? Para a culpa, para o ressentimento. Em vez de dizer “ok, existem fatores externos, mas vamos ver o que está ao nosso alcance e planejar um passo a passo viável”, o coach transfere toda a responsabilidade para o indivíduo, que passa a se sentir ainda mais impotente quando vê que, apesar da vontade, as coisas não melhoram.

Há ainda o cinismo de alguns coaches que, quando questionados sobre como motivar alguém num trabalho horrível, limitam-se a dizer: “você deve ser a mudança que quer ver na empresa, transformar o local com a sua energia positiva”. Isso pode até fazer sentido em ambientes onde há abertura para diálogo e mudança de cultura. Mas, se estamos falando de um chefe tirano, assédio moral, pressão desumana, baixos salários, a “energia positiva” não resolve. O funcionário pode sorrir todos os dias, tentar motivar colegas, e ainda assim vai acabar sendo explorado. O coach, no entanto, adora frases como “não existem ambientes ruins, apenas pessoas que não criam um ambiente bom”. É um nível de simplismo que chega a insultar a inteligência de quem vive a realidade laboral mais precária.

Começa com uma história triste, mete uma superação milagrosa, solta umas frases vazias sobre abundância, faz a plateia gritar e termina vendendo um curso ‘exclusivo’ que só está disponível ‘hoje’.

No palco, esses coaches comumente seguem uma fórmula de espetáculo. Primeiro, usam uma música de efeito, algo que desperte adrenalina. Depois, contam uma história pessoal dramática, revelando como sofreram algum revés na vida, mas se ergueram pela força de vontade. Emendam com três ou quatro frases de impacto, tipo “ou você se adapta, ou fica na rabeira”, “se não tiver coragem, vai ser fracassado para sempre” e “o mundo não perdoa quem fica parado”. A plateia, aquecida, bate palmas. Então vêm perguntas jogadas ao vento, como “quem aqui está cansado de se sentir escravo das contas para pagar?”, e o povo berra de volta. O coach faz cara de conquistador, solta mais frases grandiloquentes, e conclui: “é hora de você decidir se quer ser líder ou liderado, rico ou pobre, feliz ou conformado”. Tudo embalado numa lógica maniqueísta, em que não há espaço para a ideia de que, muitas vezes, crescer dentro de uma empresa é um caminho legítimo ou que algumas pessoas se contentam com menos dinheiro, mas priorizam outras áreas da vida.

Na transmissão online, o script é parecido, só que adaptado à tela. O coach mostra slides coloridos, faz perguntas retóricas ao público, pede para os espectadores digitarem “eu posso” no chat. Dependendo da plataforma, centenas de pessoas digitam “eu posso”, “eu consigo”, “sou ilimitado”, num coro virtual que alimenta o ego do palestrante. Em seguida, ele cita meia dúzia de exemplos de sucesso, sempre recortados e imprecisos, e dispara algo como “você é o próximo a brilhar, se tomar a decisão agora”. Para dar urgência, às vezes vende um curso ou mentoria que está “com desconto por tempo limitado”. Assim, quem está se sentindo animado com a live pode acabar tirando o cartão de crédito, com a esperança de que a compra vá resolver a falta de motivação ou as dificuldades financeiras.

Chama atenção a contradição de motivar gente que está em situação quase insustentável sem oferecer soluções concretas. É como dizer para alguém com sede no deserto: “pensa positivo que a água aparece”. Evidentemente, pensar positivo pode ajudar a não entrar em desespero, mas não substitui a procura por um jeito real de obter água. O coach transformacional, em diversos casos, dá a entender que a realidade objetiva quase não importa, que tudo é questão de “frequência mental”. Essa mentalidade, embora sedutora, faz com que muita gente desperdice tempo, energia e dinheiro em busca de uma proposta inviável. E quem sai lucrando é o palestrante, que, ao final, se exime de culpa alegando que qualquer fracasso vem da descrença do cliente.

Vários coaches usam um vocabulário que beira o esotérico, ainda que neguem ser algo religioso. Falam em “conectar-se ao poder do universo”, “alinhar chakras financeiros” e outras ideias que tentam soar profundas, mas deixam um grande ponto de interrogação. Se a pessoa disser que não sente nada, ou que não vê mudança, a resposta típica é “você está bloqueado, precisa limpar sua energia”. Em resumo, nunca há falha no método; a falha é sempre da pessoa que não se deixou “transformar”. Nesse contexto, motivar alguém que ganha mal se torna um esforço de convencimento de que essa situação se deve puramente à “vibração errada”. A precariedade das condições de trabalho, a falta de investimento da empresa, as injustiças de mercado são varridas para debaixo do tapete.

O universo conspira a teu favor… (só falta avisá-lo, porque até agora só quem ficou rico foi o coach!) 

Para ilustrar o quanto isso pode ser surreal, já ouvi um coach falar: “você ganha pouco porque não se coloca como prioridade. O dinheiro percebe quando você não se valoriza”. Na hora, algumas pessoas na plateia assentiram, talvez já acostumadas a esse papo de que o dinheiro tem uma entidade própria, como se fosse um ser consciente. Mas imagina o efeito dessa frase sobre alguém que, dia após dia, se mata de trabalhar, atendendo clientes rudes, e recebe um salário insuficiente. A pessoa pode até se culpar: “é verdade, não me valorizo, preciso mudar minha postura”. Porém, mesmo que mude a postura, a chefia continua pagando mal e não reconhece ninguém. A contradição só fica evidente depois, quando o “poder da mente” falha em mudar a política salarial da empresa.

Além do mais, há coaches que se aproveitam do desespero das pessoas para vender a ideia de “supere a falta de recursos com criatividade”. Em tese, isso não é ruim, pois a criatividade realmente ajuda em alguns contextos. Mas, na prática, a pessoa volta para o emprego horrível, sem qualquer instrução sobre como enfrentar uma gestão abusiva ou, mesmo, como buscar recolocação no mercado. Fica só o “você não está aplicando o método”, o que gera ainda mais frustração. E se ela fala “não tenho motivação alguma para ir a esse trabalho todo dia”, o coach manda “então acorde uma hora mais cedo e trabalhe nos seus sonhos”. É fácil dizer isso quando não se vive no corpo de quem já dorme pouco, está exausto física e mentalmente e tem problemas domésticos que nem sequer foram mencionados.

Talvez a prova mais gritante do quanto esse discurso pode ser vazio seja quando o coach manda a plateia ou os espectadores online fazerem uma lista de metas inviáveis, coisas como “ganhar um milhão em seis meses”, “casar com o parceiro ideal em um ano”, “morar na Europa até o fim do ano”. A pessoa, embalada pela empolgação coletiva, acredita que “todo sonho é possível”. No encerramento do evento, sai com aquele papel cheio de metas. Depois, como é natural, enfrenta os obstáculos do mundo real e não atinge um décimo do que planejou. Quando tenta reclamar, o coach sai com algo como “você não se dedicou o suficiente, não viveu sua nova identidade, não abriu mão das velhas crenças”. Assim, perpetua-se o ciclo em que o cliente é sempre o responsável pela decepção.

Ver tudo isso em palco ou online, de forma repetitiva, faz com que muitos fiquem com a sensação de estar diante de um teatro, em que o ator principal usa frases fortes e ensaiadas para provocar reações emocionais. As pessoas, numa espécie de catarse coletiva, sentem-se vivas e esperançosas por um instante. Mas basta conversar com alguém que tentou aplicar esse “método” sem resultado para perceber que, se não há uma estrutura racional de mudança, tudo fica na superfície. Muitos ainda tentam se convencer de que o problema é deles, não do coach. E é por isso que esse mercado floresce: há sempre uma nova leva de gente esperando a “chave” que vai destrancar a fortuna, o sucesso, o amor perfeito.

Aí chega o ponto em que se questiona: para que serve motivar o funcionário de um emprego terrível sem oferecer saídas concretas? Para que insistir que ele tem culpa por tudo, se ele não controla as decisões da empresa? A motivação prometida só faz sentido se puder indicar caminhos reais, como “busque capacitação em tal área”, “procure vagas em setores onde há carência de mão de obra”, “faça networking de maneira organizada”, “avalie se um concurso público seria melhor para você”. Mas isso exige do coach uma abordagem muito mais pé no chão, que não rende o mesmo espetáculo de frases bombásticas. A plateia, sedenta por emoção, muitas vezes rejeita qualquer conversa mais prática que lembre, por exemplo, a necessidade de atualizar o currículo ou aprender uma língua estrangeira. É mais fácil acreditar que um grito de “eu posso, eu consigo, eu vou conquistar” muda tudo.

No fim, esses coaches transformacionais e motivacionais, ao reproduzirem absurdos e frases de efeito, estão mais preocupados em vender o “clima” do que soluções. Pode até existir um público que só queira mesmo um empurrãozinho emotivo, uma injeção de ânimo pontual. O problema é vender isso como se fosse capaz de revolucionar situações de precariedade, de injustiça ou de ambientes insustentáveis. Quem volta ao trabalho mal pago percebe que nada foi resolvido. Esse tipo de motivação superficial serve para inflar expectativas sem criar melhorias estruturais. Em última análise, beneficia quem fatura com as palestras, enquanto os ouvintes continuam sem um plano viável de saída.

Por isso, tanta gente sai questionando “motivar o quê e para quê?”, principalmente quando vê que a realidade vivida não se encaixa no discurso. Não é raro que surjam relatos de pessoas que, após duas semanas de empolgação, enfrentam um choque de desilusão e, ao não encontrar acolhimento do coach, ficam ainda mais frustradas. Tornam-se céticas, não só em relação ao coaching, mas a qualquer tipo de auxílio ou desenvolvimento pessoal. E aí se perde a oportunidade de, quem sabe, buscar alternativas que não sejam apenas mantras, mas um conjunto de medidas práticas para crescer na carreira ou melhorar a vida. O excesso de frases prontas e de esquemas de motivação vazia deslegitima o potencial que um processo de orientação sério poderia ter. Acaba virando piada, e justamente porque, na maioria dos casos, a promessa é gigantesca, enquanto o conteúdo real é escasso ou nulo.

É nessa contradição que mora a crítica maior: se os coaches querem se vender como transformadores, mas ignoram completamente as circunstâncias de quem ganha pouco, sofre pressões diárias e não vê espaço para mudança, qual a validade dessa transformação? É fácil dizer “jogue-se no escuro e confie” quando se tem uma boa poupança ou contatos que garantem um amparo caso algo dê errado. Mas quem não tem essa rede de apoio, se cair, arcará com consequências graves. Esse detalhe, claro, não entra no show de promessas. A motivação oferecida é só um sopro de esperança efêmera, que, no geral, serve para engordar a conta bancária do palestrante e alimentar um mito de meritocracia absoluta, onde tudo se resume à postura mental.

Assim, não é de espantar que muitos olhem esses espetáculos e transmissões online com cinismo e raiva. Já cansaram de ver conhecidos perderem dinheiro, desestabilizarem relacionamentos e piorarem a autoestima, tudo porque foram convencidos de que poderiam “dar a volta por cima” se gritassem “eu consigo” num auditório cheio. Não se nega que algumas pessoas encontrem algum benefício passageiro, mas, de modo geral, a ilusão supera em muito a realidade. Portanto, quando se fala em motivar o trabalhador mal remunerado na empresa horrível, a pergunta permanece: motivar para fazer o quê? Para trabalhar ainda mais, tolerar abusos e, no final, culpar-se por não ficar milionário? A lógica não se sustenta, mas continua sendo repetida porque vende bem. Afinal, quem não gostaria de ouvir que pode mudar tudo apenas com o poder da mente, sem ter de encarar a dor de uma reestruturação de vida mais profunda?

É essa falta de clareza sobre o “motivamos para quê” que faz grande parte do coaching transformacional resvalar no ridículo. Não há mal em querer inspirar as pessoas, mas há um abismo entre inspiração pontual e garantir soluções. E existe outro abismo ainda maior quando se trata de ignorar contextos socioeconômicos. Os coaches que amam clichês se fazem de surdos diante dessas nuances. Ou, pior, usam contra-argumentos que culpariam as próprias vítimas: “se você questiona, é porque não está pronto para a prosperidade”. Não admira que tantos terminem desiludidos, brigados com a família ou demitidos por se acharem bons demais para o trabalho que têm.

No fim, o espetáculo de frases absurdas e promessas irreais existe porque há público. E esse público se alimenta de esperança, mesmo que momentânea. Mas o fato de haver demanda não legitima a qualidade do que é oferecido. Cada vez mais, surgem questionamentos sobre o real efeito dessas palestras, e não é raro encontrar quem descreva a experiência como um circo motivacional, cheio de efeitos e palavras doces, mas desprovido de substância. Quem viveu na pele a disparidade entre o que se prometeu e o que se cumpriu tende a sair com um gosto amargo, muitas vezes culpando a si mesmo por não “ter acreditado o bastante”. E assim se perpetua o mito de que o coach está sempre certo, enquanto quem fracassa é o cliente que não se esforçou o suficiente.

Se fosse somente um entretenimento barato, como um show de mágica, talvez não fosse tão danoso. Mas a questão é que essas ideias podem atropelar a vida de quem se apega a elas para resolver problemas reais, como dívidas, desemprego, exploração no trabalho, falta de horizonte profissional. A motivação de palco ou online não prepara ninguém para enfrentar burocracias, negociar aumento salarial ou equilibrar finanças. Então, se alguém se pergunta se vale a pena participar de algo assim, deveria ponderar sobre a utilidade concreta e se perguntar: quais ferramentas práticas estão sendo ensinadas? Ou é só retórica? Se for só retórica, a tendência é que, passado o efeito momentâneo, a pessoa se sinta pior do que antes, sem saber como sair do buraco em que se encontra.

E assim, fica claro que motivar alguém num contexto difícil sem levar em conta a realidade é apenas empurrar a pessoa para um abismo maior de frustração. As frases de efeito até podem gerar cliques, likes, aplausos efusivos. Mas, no dia a dia, quem sofre e segue sem resposta real percebe que, de “transformacional”, não havia muito além do nome. E fica o alerta: antes de levantar a mão num auditório gritando “eu sou ilimitado”, vale refletir se a proposta do coach oferece algum plano sensato ou se é só mais uma tentativa de lucrar em cima do desespero humano.

O que se vê, beirando ao inacreditável

Imagino você diante de uma tela, participando de uma sessão de coaching online. O coach surge sorridente, num cenário impecável, repleto de frases de efeito na parede ou de certificados emoldurados, garantindo uma suposta autoridade. Assim que a transmissão começa, ele diz algo como “Seja muito bem-vindo a esta jornada transformadora! Hoje vamos liberar todo o seu potencial ilimitado!” e, nesse instante, você sente aquela fagulha de animação. A primeira fala já define o tom: sugere que você tem algo “preso” dentro de si, sem explicar que tipo de método ou fundamentação científica ampara essa ideia de “potencial ilimitado”. É tudo baseado em alusões vagas a um suposto poder interno adormecido.

No passo seguinte, o coach pede que você feche os olhos e respire fundo, dizendo “visualize um futuro onde seus problemas não existem, sinta a realização de tudo que sempre sonhou”. O comando parece inofensivo, mas cumpre a função de gerar um pico de emoção e criar uma atmosfera em que você se sente prestes a descobrir algo grandioso. É um recurso típico de indução mental, que não se oporia a uma prática legítima de meditação, se não fosse vendido como prova de que seu “eu verdadeiro” já está se libertando. Sob a luz da ciência, esse tipo de exercício só confirma que, ao projetar um cenário mental agradável, o cérebro libera substâncias associadas ao bem-estar, como dopamina. Isso não significa, porém, que exista qualquer garantia de mudança estrutural na vida real.

O coach então passa a falar de “energia” ou “frequência vibracional”, dizendo algo como “neste momento, você está se conectando à frequência do sucesso; quando seu campo quântico se alinhar, os resultados virão”. Esse discurso, apesar de mencionar “quântico” e “frequência”, não possui embasamento em física ou neurociência de fato. O termo quântico é deturpado para dar um ar de complexidade, mas, na prática, não explica nada além de “pense positivo”. Do ponto de vista científico, não há demonstração de que um “campo vibracional” exista nos termos em que esses coaches descrevem. Trata-se de uma apropriação de jargões científicos para legitimar uma prática que não se apoia em estudos revisados por pares.

Liberta o rico, o poderoso, o curado, o magro, o feliz e o grato que há em ti… mas, acima de tudo, liberta a tua carteira! 

A fala seguinte costuma vir carregada de chavões motivacionais: “Você precisa romper suas crenças limitantes. Nada pode deter alguém que realmente se permite voar”. Esse momento eleva a sua expectativa de que descobrirá, ali, uma fórmula única para romper os tais limites. Entretanto, não se apresentam pesquisas sólidas sobre mudança de comportamento ou psicologia cognitiva que justifiquem o procedimento. É tudo genérico, do tipo “acredite mais em você”, sem um passo a passo real que aborde elaboração de objetivos, análise de recursos, obstáculos concretos ou técnicas validadas de reestruturação cognitiva. A estratégia aqui é manter o clima de euforia e a impressão de que, finalmente, você se libertará de tudo que trava sua vida.

Logo em seguida, vem uma ordem que já revela o comércio por trás do coaching: “Se você está comprometido em avançar, adquira agora o pacote premium do meu curso, onde eu aprofundo a liberação do seu potencial. Aproveite que só está disponível hoje por preço especial!” É nesse instante que, sob o pretexto de “ir mais fundo no processo”, o coach empurra um produto pago. Em vez de oferecer conteúdos objetivos ou tirar dúvidas individuais, apela ao senso de urgência e exclusividade, pressionando você a desembolsar dinheiro por algo que, supostamente, aprofundaria aquilo que, até então, não teve base metodológica clara. A ciência, nesse ponto, já indica que “vendas de alta pressão” exploram o estado emocional do cliente, aproveitando-se do pico de animação ou de insegurança para fechar negócio no calor do momento.

Se você resiste ou questiona, o coach não para. Ele lança frases de impacto como “Quem está indeciso é porque ainda não liberou a confiança interior” ou “Pense grande ou viva pequeno”. São clichês que, repetidos à exaustão, servem para inverter a lógica: se você não compra, é porque ainda pensa pequeno ou continua “preso a crenças limitantes”. Dessa forma, o ato de hesitar torna-se, aos olhos de todos, um sinal de fraqueza, não de cautela ou discernimento. Qualquer objeção do cliente é transformada em evidência de que ele precisa ainda mais do programa pago. É uma manipulação emocional clássica: cria a dor (insegurança) e vende o remédio (a compra do curso).

És pobre porque não tens metas, acordas tarde e não acreditas… 

Em mais um comando típico, o coach faz você “escrever metas ousadas” ou “listar o que deseja nos próximos seis meses, sem se importar com a realidade atual”. Isso pode ter certo valor como exercício de imaginação, mas, sem análise realista de recursos, prazos e riscos, permanece na fantasia. Cientificamente, fixar objetivos pode ser positivo quando acompanhado de planejamento específico e monitoramento. Aqui, porém, o coach apenas dispara frases como “não existem impossíveis” e “seja ilimitado”. Nada é dito sobre a importância de microetapas, reavaliação contínua e checagem de resultados. O discurso foca em mantê-lo sonhando alto, ainda embalado pela atmosfera de “você é capaz de tudo”.

Prosseguindo, ele pede uma espécie de “compromisso público” no chat ou no microfone: “Declare agora: eu vou ser milionário em 2024!”. A função desse passo é reforçar o senso de compromisso diante de outros participantes, criando uma coerção grupal. Se você declarar algo assim, terá a sensação de que não pode voltar atrás. Em ambientes de psicologia de grupo, sabe-se que, ao verbalizar um compromisso publicamente, a pessoa sente obrigação maior de sustentá-lo. O problema é que nada ali prepara de fato as condições para que essas metas se tornem factíveis. O coach segue repetindo “só não realize quem duvida do próprio poder”. Fica evidente a falta de fundamento ao estilo científico, pois não há menção a indicadores ou estudos de caso que mostrem efetivamente que repetir uma frase trará riqueza. É apenas pressão psicológica.

O grupo quântico VIPA e Avançado

Quando o coach percebe que você está empolgado, ele insere outro gatilho comercial: “Quem estiver realmente decidido a dar o próximo passo deve entrar no meu Grupo Avançado de Transformação, pois lá eu compartilho segredos que não posso abrir a todos. Vocês estão prontos?”. Ao apelar para a noção de “segredo” ou “conhecimento restrito”, ele instiga seu medo de ficar de fora, de não ter acesso ao “próximo nível”. A ciência do marketing explica que esse senso de exclusividade é poderoso para vendas de alto valor. Já não se trata de conteúdo, mas de sedução baseada em status. Quem ficar de fora, supostamente, não está comprometido com a própria evolução.

Em seguida, aparece um momento de catarse coletiva: o coach manda todo mundo ligar o microfone (ou digitar no chat) frases de afirmação, tipo “eu sou gigante!” ou “eu vou conquistar tudo”. É comum ver gente chorando, relatando fortes emoções. A sensação é de libertação, mas, analisada criticamente, entende-se que é apenas uma forma de ritual. Liberar emoções pode ser saudável, porém, sem um método de acompanhamento e análise de problemas reais, não garante mudança duradoura. Essa catarse, do ponto de vista científico, não tem correlação direta com transformar metas irreais em realidade. O coach, porém, oferece esse pico emocional como prova de que o processo “funciona”.

Depois disso, o coach costuma acrescentar algum trecho que soe científico: “Nossos neurônios-espelho se ativam, gerando conexão empática e reprogramando redes neurais para o sucesso”. Uma frase que mistura verdades rasas com extrapolações infundadas. Neurônios-espelho realmente existem, mas se relacionam com empatia e aprendizagem por imitação. Não há comprovação de que eles, por si sós, “reprogramem” alguém para atingir objetivos. É mais um exemplo de pseudociência, usado para calar objeções. A retórica é “veja, há um fundamento científico para o que faço”, mas sem citar pesquisas concretas ou comprovações experimentais.

Passam-se alguns minutos, e o coach afirma: “Alguns de vocês podem estar se sentindo confusos, mas isso é normal quando a antiga mentalidade está quebrando. Sigam comigo para não perderem o fio da transformação”. Nesse instante, ele reforça a dependência do cliente pelo método. Qualquer sensação de incômodo ou dúvida é interpretada como sinal de evolução, não como sinal de alerta. Desmontando isso criticamente, vê-se que é uma tática de manipulação: o desconforto, ao invés de ser analisado como potencial evidência de fraude ou inconsistências, é apresentado como prova de que você está num caminho profundo, necessitando da orientação do coach.

Por fim, há o golpe de misericórdia: a promessa de “resultados definitivos” se você aderir ao pacote completo de sessões exclusivas. Ouve-se algo como “já senti sua energia daqui, e sei que você está pronto para mudar de vida; não deixe essa oportunidade passar”. Mais uma vez, a culpa recai sobre o cliente que, se não comprar, é taxado de omisso ou covarde. A isso se soma um cronômetro na tela (“faltam X minutos para acabar a oferta”), o que intensifica a pressão. Sob a luz da ciência do comportamento, esse é o gatilho da urgência, que reduz a capacidade de decisão racional em favor de uma resposta impulsiva.

Em cada passo, portanto, o coaching online descamba para uma mescla de manipulação emocional e venda de mais pacotes. Frases de comando sugerem que, sem o coach, você voltará a ser um “pobre coitado”, desperdiçando oportunidades. O comércio por trás dessa abordagem reside justamente em manter o público num estado de excitação e insegurança, de modo que compre, por medo de perder o “momento”. A partir de uma perspectiva científica, faltam evidências de eficácia desses métodos, carece verificação de resultados tangíveis, e sobram estratégias de marketing agressivo disfarçadas de desenvolvimento pessoal.

Ao final, a promessa de “mudança de vida” se sustenta apenas no roteiro repetitivo: indução emocional, invocação pseudocientífica, pressão de grupo, aplicação de gatilhos de escassez e culpa pelo fracasso. Quem embarca nesse ciclo pode até sentir euforia transitória, porém dificilmente atinge as transformações anunciadas, especialmente se enfrenta problemas como baixa renda, condições de trabalho ruins e desafios estruturais que exigiriam soluções bem mais concretas do que gritos de “eu posso”. A ciência nos diz que mudança real depende de passos metodológicos, análise de contexto, planejamento e, muitas vezes, apoio multidisciplinar. Aqui, tudo se limita a uma plataforma de vendas e a um jogo de manipulação mental.

O pior é que, ao terminar a sessão, o coach costuma liberar a gravação como isca para você assistir repetidas vezes e, supostamente, reforçar a mensagem. Assim, você mesmo passa a realimentar o estado de sugestionabilidade, sem jamais receber um plano prático para melhorar a situação que motivou a busca por ajuda. E, se você fracassa, o coach insiste que foi falta de comprometimento, jamais uma falha no método.

Chega, então, o momento de encerrar este retrato. Diante desse circo, é vital reiterar: tudo isso vem sendo exposto porque grande parte do coaching virou mercado de promessas vazias, apoiado em manipulações emocionais e numa pseudociência que não resiste a uma análise criteriosa. Quem enxerga a realidade percebe que é impossível “reprogramar” a vida só com frases de efeito, sem encarar fatores socioeconômicos, saúde mental, capacitação profissional e estudos sérios. E quem ainda acredita em atalhos mágicos corre o risco de, além de perder dinheiro, sair com a autoestima ainda mais abalada.

Fique atento, pois não há bala de prata para problemas complexos. Cuidado com quem menciona “frequências quânticas” ou tenta misturar neurociência e vendas agressivas. Questione, exija evidências, não se deixe impressionar por cronômetros e cartões promocionais. Lembre-se: a mudança real demanda esforço contínuo, embasamento confiável e, muitas vezes, suporte profissional legítimo (psicólogos, terapeutas, consultores financeiros de formação reconhecida). Em vez de se culpar por não “vibrar” o bastante, avalie se o que lhe vendem é minimamente consistente. E se desconfiar, não hesite em recusar, por mais tentadora que pareça a oferta. Dinheiro nenhum compra falsas promessas que, no fim, só servem para encobrir a falta de compromisso com a verdade. Se o coach te pressiona a agir sem pensar, ative o seu senso crítico. É a melhor defesa contra quem lucra com sonhos e esperança, mas não entrega nada além de ilusão.

JAMES MCSILL 19 de fevereiro de 2025
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