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SE VOCÊ NÃO JOGA, NEM DEVERIA ESCREVER

O VALOR DOS JOGOS DE VIDEOGAMES PARA AUTORES E PROFISSIONAIAS DO STORYTELLING

Dizem por aí que escritores disciplinados escrevem todos os dias. Que acordam antes do sol nascer, fazem uma xícara de café artesanal e se sentam diante da página em branco com um olhar resoluto, prontos para destilar sua genialidade. Dizem que todo grande escritor segue essa rotina espartana, sem falhas, sem desculpas, sem concessões.

Mas eu tenho algo a dizer sobre isso: mentira.

Escritores não são máquinas de produção de palavras, e qualquer um que já tentou transformar sua criatividade em uma linha de montagem sabe que a produtividade forçada é um dos caminhos mais rápidos para a mediocridade. Se existe algo que aprendi depois de décadas observando a narrativa em diversas formas, é que um bom escritor precisa absorver tanto quanto escreve. E nada ensina mais sobre narrativa do que jogos.

Lembro-me da primeira vez que joguei com o meu neto The Legend of Zelda: Ocarina of Time. O jogo não começa com um herói já pronto para salvar o mundo. Link, nosso protagonista, é uma criança sem espada, sem escudo, sem nada além de uma profecia nebulosa e uma fada falante irritante. Ele não acorda com uma missão clara ou um senso inabalável de propósito. Ele acorda porque alguém lhe diz que deveria fazer algo.

É assim que me sinto em muitos dias como escritor. O mito do escritor incansável, que transforma todas as manhãs em uma sessão de criação produtiva e ininterrupta, é apenas isso: um mito. Assim como em Zelda, às vezes a única coisa que podemos fazer é explorar um pouco, entender melhor o mapa, encontrar uma espada decente antes de enfrentar o primeiro desafio.

E algumas vezes, a melhor coisa a fazer é simplesmente parar de escrever e jogar alguma coisa.

Não digo isso apenas por diversão. Digo porque videogames, quando bem feitos, são mestres invisíveis da narrativa moderna. Aprendi mais sobre ritmo, progressão e impacto emocional jogando The Last of Us, Red Dead Redemption e What Remains of Edith Finch do que em muitos manuais sobre escrita criativa.

Há um equívoco comum de que jogos e literatura são formas de arte separadas, sem pontos de contato. Isso não poderia estar mais errado. Jogos são contadores de histórias interativos, que exigem do jogador muito mais do que uma simples recepção passiva. E, por isso mesmo, têm muito a ensinar aos escritores que desejam criar histórias envolventes.

O primeiro grande ensinamento que os jogos trazem para um escritor é sobre imersão e construção de mundo.

Em jogos como The Witcher 3 ou Skyrim, o ambiente não é apenas um cenário bonito; ele faz parte da história. O que faz um mundo de fantasia parecer real não é o tamanho do mapa ou a quantidade de NPCs espalhados pela cidade – é a forma como o jogador descobre esse mundo organicamente, sem que tudo seja mastigado e entregue de bandeja.

Quantos livros fracassam porque despejam parágrafos intermináveis de exposição sem permitir que o leitor explore a história por si mesmo? Em jogos bem escritos, a ambientação é apresentada através da ação, e não de longas introduções didáticas. Se quisermos aprender a capturar a atenção do leitor, devemos tratar nossa história como um designer de jogos trata seu mundo virtual.

Se um romance começa descrevendo o cenário em um longo monólogo expositivo, há algo de errado. O leitor não quer apenas saber que há uma floresta; ele quer sentir o cheiro úmido das folhas, ouvir o farfalhar da madeira apodrecida sob os pés do personagem, perceber o silêncio denso que anuncia a presença de algo escondido. Em Red Dead Redemption 2, os cenários falam tanto quanto os diálogos, e o mesmo deveria valer para a literatura.

Outro ensinamento essencial dos jogos é a evolução do protagonista.

Histórias interativas criam personagens que mudam com base nas escolhas do jogador. O Arthur Morgan de um jogador pode ser completamente diferente do Arthur Morgan de outro, dependendo das decisões tomadas ao longo da trama. Essa capacidade de transformar o protagonista com base nas suas ações deveria ser obrigatória na literatura.

Muitos livros falham porque seus personagens não evoluem de maneira crível. Um bom protagonista precisa ser afetado pelos acontecimentos da história. Se um personagem passa por eventos dramáticos sem mudar de forma significativa, há um problema. Se um cowboy fora da lei pode se tornar um homem arrependido e reflexivo dependendo de suas escolhas, por que um advogado em crise existencial em um romance literário não pode passar por uma transformação parecida?

Jogos ensinam sobre o que significa criar consequências reais para cada ação do personagem. Em The Witcher 3, escolher entre ajudar uma cidade ou deixá-la à mercê dos monstros não é apenas uma decisão mecânica – é uma escolha que muda o mundo do jogo e impacta o protagonista de formas inesperadas. Escritores podem aprender muito com essa abordagem: personagens devem fazer escolhas difíceis, e essas escolhas devem trazer consequências reais.

Além disso, jogos ensinam sobre ritmo narrativo melhor do que muitos romances.

Pense em The Last of Us. O jogo tem momentos de pura ação, seguidos por momentos de silêncio e introspecção. Se fosse um livro, seria um romance magistral, com capítulos de tensão seguidos por pausas estratégicas para desenvolvimento de personagem.

Agora, pense em livros que falham nesse aspecto. Narrativas que são pura ação tornam-se cansativas rapidamente. Já histórias que demoram demais para acontecer tornam-se entediantes. A combinação entre os dois – o equilíbrio perfeito entre momentos de respiro e tensão – é algo que jogos bem projetados dominam com maestria.

Mas talvez a lição mais importante seja esta: o que não é dito é tão importante quanto o que é dito.

Elden Ring nos ensina que algumas histórias não precisam de exposição detalhada para serem poderosas. O jogador descobre a narrativa através da exploração, por meio de detalhes visuais, fragmentos de texto e interações breves com NPCs. Isso é um lembrete fundamental para escritores: não explique demais, não subestime o leitor, não entregue tudo de mão beijada.

Agora, para um checklist prático, aqui estão algumas lições que todo escritor pode aprender com videogames:

Construa o mundo com ação, não com exposição. Mostre o ambiente através da interação dos personagens com ele.

Dê profundidade ao protagonista. Se um personagem não é afetado pelos eventos da história, ele não é um personagem – é um boneco.

Crie ritmo narrativo equilibrado. Intercale tensão e alívio para que sua história nunca se torne cansativa ou previsível.

Deixe espaço para o leitor preencher as lacunas. Nem tudo precisa ser explicado. Algumas das melhores histórias são aquelas que o leitor descobre por si mesmo.

Aprenda quando parar de escrever e buscar novas inspirações. Às vezes, a resposta para um bloqueio criativo não é forçar mais palavras na página, mas experimentar uma nova forma de arte – como um bom jogo.

Afinal, se Elden Ring consegue contar uma das histórias mais complexas da última década sem usar cutscenes expositivas, o que impede um escritor de fazer o mesmo?

No próximo capítulo, vamos explorar como os videogames nos ensinam a criar histórias menos previsíveis, mais envolventes e interativas, mesmo na literatura. Afinal, se há algo que jogos fazem melhor do que muitos livros, é garantir que o leitor – ou o jogador – se importe profundamente com a jornada.

E não há história melhor do que aquela que não conseguimos largar.


ESCOLHAS, CONSEQUÊNCIAS E NARRATIVA NÃO LINEAR

Escrever um livro é como jogar um RPG de mundo aberto: você começa com um objetivo vago, um protagonista meio perdido e um cenário que precisa ser descoberto aos poucos. A diferença é que, nos videogames, o jogador tem a sensação de controle – ele pode explorar, tomar decisões, errar, voltar atrás. Já na literatura, quem tem esse controle é o autor, mas isso não significa que ele deva transformar sua história em um túnel escuro, com um único caminho possível.

Se há algo que os jogos ensinam sobre escrita, é que a ilusão de escolha é mais poderosa do que o roteiro fixo. Narrativas que envolvem os leitores são aquelas que simulam liberdade e consequência, fazendo com que cada momento pareça uma decisão real.

É aqui que surge o problema: muitos escritores acreditam que precisam prender o leitor a um caminho rígido, sem considerar que a literatura, como os jogos, é mais envolvente quando permite a sensação de descoberta.

A vida real não é linear. Nossas memórias vêm em pedaços desorganizados, nossas histórias pessoais se formam com base em encontros aleatórios, decisões repentinas e momentos que, vistos de longe, parecem ter uma lógica oculta. Mas quando estamos dentro da experiência, ela é desordenada e imprevisível.

O mesmo acontece em um bom jogo. Quando você joga Elden Ring ou The Witcher 3, não tem um mapa claro de tudo que vai acontecer. Você vai descobrindo pedaços da história enquanto avança, tomando decisões que podem mudar completamente o rumo dos acontecimentos. Algumas missões podem ser ignoradas. Outras surgem do nada. Isso dá uma sensação de vivacidade, de que o mundo está acontecendo com ou sem você.

Agora, pergunte-se: quantos livros realmente fazem isso? Quantos autores confiam no leitor o suficiente para permitir que ele conecte as peças da história sozinho?

Os jogos ensinam algo que poucos escritores entendem: a melhor história não é aquela em que tudo é entregue de bandeja, mas aquela que permite que o leitor participe ativamente da experiência narrativa.

Os melhores jogos de narrativa fazem isso de forma magistral. Pegue The Witcher 3, por exemplo. Você tem uma missão principal, sim, mas as side quests são onde a verdadeira mágica acontece. Algumas delas são mais bem escritas do que o arco principal. Isso acontece porque não são missões descartáveis – elas adicionam camadas ao mundo, criam dilemas reais, fazem o jogador se questionar.

Agora pense nos livros que você já leu. Quantos têm cenas de preenchimento, passagens que poderiam ser cortadas sem alterar absolutamente nada na história?

Os jogos ensinam que nenhuma parte da jornada deveria ser irrelevante.

Se você está escrevendo uma cena que não adiciona algo ao desenvolvimento do personagem, ao avanço da trama ou à ambientação, você provavelmente deveria cortá-la. Assim como em um bom RPG, o leitor deve sentir que tudo o que acontece na história tem uma razão para estar ali.

Isso nos leva a um dos erros mais comuns na literatura: a ausência de consequências narrativas reais.

Jogos bem projetados fazem o jogador sentir que suas decisões têm peso. Em Red Dead Redemption 2, se você trata um personagem de forma cruel, ele pode se lembrar disso e reagir mais tarde. Em The Walking Dead, cada decisão emocionalmente carregada pode significar a vida ou a morte de um personagem.

Agora, pense nos livros que falham nesse aspecto. Quantas histórias começam com uma grande promessa e terminam sem mudanças significativas para o protagonista? Quantos livros têm protagonistas que, independentemente dos eventos da trama, continuam os mesmos do começo ao fim?

Se um jogo consegue fazer o jogador acreditar que suas escolhas importam, um livro deveria fazer o mesmo. Afinal, se o protagonista atravessa a história sem transformação, então para que serve a história?

A literatura linear tradicional pode funcionar, mas a narrativa realmente envolvente se beneficia de surpresas, mudanças de direção e efeitos dominó. Pense nos melhores momentos de qualquer jogo de mundo aberto: aqueles momentos inesperados, que parecem espontâneos, mas que foram cuidadosamente planejados para parecerem assim.

Na escrita, podemos aplicar essa lógica tornando o enredo menos previsível. Muitas histórias começam exatamente como terminam. Se um leitor consegue prever o desfecho logo nas primeiras páginas, ele não tem motivo para continuar.

Aqui está um teste: se você tirar três cenas aleatórias do seu livro, a história ainda faz sentido? Se sim, há um problema. Isso significa que há cenas descartáveis e que, no fundo, nada realmente importa. Assim como nos melhores jogos, tudo na narrativa precisa ter consequência.

Aqui estão alguns conceitos essenciais que escritores podem aprender com jogos sobre escolha e consequência na narrativa:

Crie histórias que permitam múltiplas interpretações. Nem tudo precisa ser explicado ou resolvido – algumas perguntas devem ser deixadas para o leitor responder.

Faça com que as ações dos personagens importem. Se um protagonista toma uma decisão, ela precisa ter um impacto real na trama.

Evite um enredo previsível. Introduza eventos inesperados, faça o leitor se sentir surpreso e investido na jornada.

Dê mais importância às tramas secundárias. Assim como as melhores side quests dos games, os pequenos detalhes da narrativa podem ser o que fazem um livro memorável.

Remova qualquer cena que não tenha peso narrativo. Se pode ser cortada sem impacto, então nunca deveria estar ali para começo de conversa.

Agora, alguns erros que podem ser evitados com esse aprendizado:

🚫 Criar personagens imutáveis. Se o protagonista não muda, então não há história.

🚫 Seguir uma estrutura linear rígida sem surpresas. Se a história for previsível, perde o impacto.

🚫 Incluir cenas apenas para "encher páginas". Tudo deve servir ao desenvolvimento da trama, do mundo ou dos personagens.

Os videogames nos ensinam que grandes histórias são construídas com base na imprevisibilidade, no impacto das decisões e na sensação de que tudo importa. O mesmo deveria valer para qualquer livro.

Se você quer escrever uma história que realmente prenda o leitor, precisa se perguntar: esse enredo dá ao leitor a mesma sensação de imersão e envolvimento que um bom jogo proporciona?

Se a resposta for não, então talvez seja hora de mudar a abordagem.

No próximo capítulo, vamos abordar um elemento essencial para qualquer narrativa envolvente: os diálogos. O que os videogames fazem melhor que muitos livros e como podemos aprender com isso?

Afinal, se personagens de videogames conseguem dizer coisas memoráveis com tão poucas palavras, por que tantos escritores desperdiçam páginas inteiras com diálogos sem vida?

VIDEOGAME DÁ-NOS A IDEIA DE RITMO

Se há algo que um escritor pode aprender com os videogames, é que ritmo é tudo. Um jogo que não sabe equilibrar momentos de ação e pausa rapidamente se torna frustrante. O mesmo acontece com um livro. Se uma história é frenética demais, o leitor se exaure e perde o interesse; se é arrastada, ele abandona antes da metade. O segredo não é apenas alternar cenas de alta intensidade com momentos mais introspectivos, mas saber quando e como fazer isso. Em um jogo como The Last of Us, o jogador nunca fica em ação constante, porque os desenvolvedores entendem que é preciso alternar tensão com respiro. Se cada cena for um tiroteio desesperado, a história perde impacto. Se cada cena for um monólogo sentimental, o jogo se arrasta. A tensão precisa ser construída e liberada no momento certo. E um bom escritor deveria pensar da mesma forma.

Um erro comum na escrita é acreditar que ritmo significa apenas velocidade. Muitos autores tentam acelerar o máximo possível, com capítulos curtos e frases rápidas, mas isso pode ter o efeito contrário. Se um jogo fosse só perseguições sem fim, o jogador se desconectaria porque nunca há tempo para assimilar o que está acontecendo. Em um livro, se tudo for uma sucessão de eventos sem pausa para reflexão, o leitor pode até sentir a adrenalina no começo, mas eventualmente ficará entorpecido. Ritmo não é apenas sobre rapidez; é sobre cadência, sobre criar momentos de impacto que permanecem na mente do leitor. Pense nos momentos mais memoráveis de um jogo. Nem sempre são os de maior ação, mas aqueles em que há um peso emocional bem administrado. Em Red Dead Redemption 2, a cena mais icônica não é um duelo ou uma perseguição de cavalo, mas a despedida silenciosa de Arthur Morgan, um momento em que o ritmo desacelera completamente para criar um impacto maior. Se um livro quer manter o leitor engajado, precisa encontrar esse equilíbrio entre cenas de tensão e momentos de respiro, permitindo que a história se desenrole com propósito.

A cadência de uma narrativa não é algo que acontece por acaso. Nos jogos, cada momento é calculado para manter a atenção do jogador, guiando-o de maneira intuitiva sem que ele perceba a manipulação. Em um jogo como Elden Ring, por exemplo, há uma variação constante entre exploração, combate e descoberta. O jogador nunca está apenas lutando ou apenas caminhando sem propósito. Esse equilíbrio cria um ritmo envolvente, e o mesmo deveria acontecer com um romance. Se um escritor joga todas as grandes revelações no começo, a história perde força rapidamente. Se retarda demais o desenvolvimento, corre o risco de fazer com que nada pareça importar. Um livro precisa ter momentos de alto impacto, mas esses momentos só funcionam se forem cercados por pausas que os tornem significativos. Se um jogo de terror for apenas sustos constantes, o jogador se acostuma e para de sentir medo. Se um livro for uma sucessão interminável de eventos dramáticos, o leitor se insensibiliza. O segredo está na variação, no contraste entre o que é intenso e o que é mais sutil.

Ritmo não é apenas sobre cenas individuais, mas sobre a forma como a história se constrói ao longo de um livro inteiro. Muitos jogos ensinam isso com maestria. The Witcher 3 começa com missões simples e só mais tarde revela sua complexidade total. Isso não acontece por acaso. O jogo primeiro dá ao jogador tempo para se ambientar, depois introduz desafios cada vez mais profundos. Escritores deveriam adotar essa lógica. Um livro não precisa começar com explosões e reviravoltas desesperadas. Se tudo for grandioso desde a primeira página, o leitor não terá um senso de progressão. Histórias precisam crescer, evoluir. Se um romance policial revela seu maior mistério no primeiro terço, o resto do livro parecerá um anticlímax. Da mesma forma, se um romance de fantasia tem um primeiro capítulo lotado de eventos épicos, será difícil manter esse nível até o final. Jogos como Dark Souls são mestres em ensinar que ritmo não é sobre velocidade, mas sobre construção de significado. Se o escritor não entende essa progressão, sua história pode acabar monótona ou exaustiva.

Existe também a questão da variação dentro das próprias cenas. Em um jogo como Mass Effect, uma conversa pode ser calma no início, mas, dependendo das escolhas do jogador, pode se transformar em um confronto tenso. O mesmo deveria valer para a escrita. Um diálogo não precisa ser inteiramente rápido ou inteiramente devagar. Uma cena de ação pode ter momentos de pausa que aumentam a tensão. Escritores que compreendem isso criam histórias mais fluidas e envolventes. Se um livro alterna entre momentos de introspecção e tensão sem que pareça artificial, o leitor se sente guiado de forma natural. Os piores livros são aqueles que forçam a cadência, tentando criar impacto sem preparar o terreno. Isso é o equivalente a um jogo que força uma cena emocionante sem dar tempo para o jogador se apegar aos personagens. Ninguém chora pela morte de um personagem com quem passou cinco minutos. Mas se a história construiu um laço emocional forte, o impacto será imenso.

A forma como a escrita flui também impacta o ritmo. Jogos muitas vezes dão ao jogador momentos de respiro, e a escrita deveria fazer o mesmo. Um texto que não permite variação na sua própria estrutura se torna cansativo. Um parágrafo longo demais pode desacelerar a leitura em momentos de tensão, enquanto frases muito curtas podem fazer uma cena emocional parecer abrupta e sem peso. Escritores precisam pensar na musicalidade da linguagem, da mesma forma que designers de jogos pensam na fluidez da experiência do jogador. Se uma cena é intensa, pode precisar de frases mais curtas para acelerar o impacto. Se uma passagem é reflexiva, frases mais longas ajudam a transmitir essa sensação. Tudo precisa ser intencional.

Outro elemento essencial para o ritmo é a antecipação. Jogos como Bioshock constroem expectativa antes de revelar algo impactante. Um livro deveria fazer o mesmo. Muitas histórias falham porque revelam informações importantes cedo demais ou esperam tanto tempo que o leitor já perdeu o interesse. É preciso equilibrar o mistério com o pagamento da promessa narrativa. Se um jogo apresenta um vilão logo no início e não o desenvolve ao longo da história, ele perde força. O mesmo acontece na escrita. A antecipação cria envolvimento. Um bom escritor planta pequenos detalhes ao longo do texto que só fazem sentido mais tarde. Isso mantém o leitor engajado, esperando pela resolução. Mas a antecipação precisa ser sutil. Se o escritor for óbvio demais, perde o elemento surpresa. Se for vago demais, o leitor pode nem perceber a conexão.

O segredo do ritmo está na forma como a história manipula a atenção do leitor. Jogos fazem isso com desafios progressivos, cutscenes bem posicionadas e momentos de descoberta. Um livro pode fazer o mesmo com mudanças na cadência da prosa, diálogos bem equilibrados e sequências que se alternam entre ação e introspecção. Um romance que entende o fluxo narrativo consegue manter o leitor preso, porque cada momento tem o peso adequado. Em um jogo, se o jogador sente que uma missão secundária é tão bem feita quanto a missão principal, ele se sente imerso. Em um livro, se até mesmo uma cena simples tem um propósito narrativo claro, o leitor permanece investido.

Os melhores escritores são aqueles que entendem que contar uma história não é apenas sobre ter boas ideias, mas sobre saber como guiá-las. Um jogo como Journey é emocionante porque sabe exatamente quando acelerar e quando desacelerar, quando criar tensão e quando oferecer alívio. Um livro deveria funcionar da mesma maneira. Ritmo não é sobre fazer tudo rápido, mas sobre dar à história o tempo que ela precisa para crescer. Um romance que respeita o tempo certo de cada cena, que não queima suas melhores ideias cedo demais e que sabe quando fazer o leitor respirar, sempre será mais impactante do que um que apenas despeja eventos um atrás do outro. Os jogos nos ensinam que ritmo não é sobre correr até o final, mas sobre garantir que a jornada valha a pena. E um bom livro, assim como um bom jogo, precisa ser inesquecível do início ao fim.

Bem, uma coisa que me vem à mente para concluir esta conversa é que um escritor pode aprender com os videogames que toda história precisa deixar uma marca. Um jogo memorável não é apenas aquele que entretém por algumas horas, mas aquele que permanece na mente do jogador muito depois de ele ter desligado o console. Da mesma forma, um livro não pode ser apenas uma sucessão de eventos. Ele precisa ter alma, precisa oferecer uma experiência que vá além da trama e crie uma conexão emocional real com o leitor. Muitos escritores acreditam que escrever bem é apenas uma questão de estruturar a história de maneira lógica, com começo, meio e fim bem definidos. Mas a verdade é que as histórias mais impactantes são aquelas que nos fazem sentir algo. E para isso, é preciso entender o que realmente cativa as pessoas.

Nos videogames, a conexão emocional não vem apenas da história principal, mas das pequenas escolhas que o jogador faz ao longo da jornada. Em Red Dead Redemption 2, a força da narrativa não está apenas nos grandes momentos dramáticos, mas nas interações do protagonista com o mundo ao seu redor. Se o jogador decide ajudar um desconhecido na estrada, essa pequena ação pode voltar para assombrá-lo ou recompensá-lo mais tarde. Essa sensação de que cada detalhe importa torna o jogo imersivo e inesquecível. Na literatura, o mesmo princípio deve ser aplicado. Cada cena, por menor que pareça, deve ter um impacto na experiência do leitor. Se um personagem aparece apenas para fornecer uma informação e depois some, ele não deveria estar lá. Cada diálogo deve ter peso. Cada escolha narrativa deve contribuir para o todo.

Um erro comum entre escritores é acreditar que apenas os grandes momentos emocionais importam. Muitos livros tentam compensar a falta de profundidade com cenas de impacto artificialmente exageradas, acreditando que quanto maior o drama, maior o efeito no leitor. Mas as melhores histórias são aquelas que constroem seus momentos de forma gradual, permitindo que a emoção cresça organicamente. Em The Last of Us, um dos momentos mais tocantes não é uma cena de ação ou um grande conflito, mas um simples instante de humanidade: quando Joel e Ellie encontram girafas em meio à destruição. Esse momento funciona porque contrasta com tudo o que veio antes. Ele nos lembra que, mesmo no meio do caos, ainda existe beleza. Escritores podem aprender muito com isso. Se um livro for apenas tragédia ou apenas felicidade, ele se tornará previsível. O que realmente faz uma história funcionar é o equilíbrio entre luz e sombra, entre desespero e esperança.

Outra lição essencial dos videogames para a escrita é a importância da agência do protagonista. Em bons jogos, o jogador sente que suas ações fazem diferença. Em The Witcher 3, por exemplo, as escolhas que Geralt faz ao longo da trama afetam profundamente o desfecho da história. Isso cria uma experiência pessoal, onde cada jogador sente que sua versão da narrativa é única. Na literatura, isso se traduz na construção de personagens ativos. O protagonista de um livro deve ter um papel fundamental na resolução da trama. Se ele apenas reage aos acontecimentos ao seu redor sem tomar decisões significativas, ele se torna passivo. E personagens passivos são esquecíveis. Um bom escritor deve garantir que seu protagonista tenha voz própria, que suas ações moldem a história em vez de apenas serem arrastadas por ela.

Os jogos também ensinam sobre a importância de criar um senso de progresso. Em Dark Souls, o jogador começa fraco, enfrentando desafios aparentemente impossíveis. Mas, com o tempo, ele se fortalece, aprende a enfrentar os inimigos e conquista vitórias que antes pareciam inatingíveis. Essa progressão é essencial para manter o jogador engajado. Na literatura, o mesmo princípio se aplica. Um bom livro deve ter uma sensação clara de evolução. O protagonista precisa crescer, os desafios precisam aumentar gradualmente, e o leitor precisa sentir que está avançando junto com a história. Se um personagem começa e termina a jornada da mesma forma, sem crescimento real, a história perde força. O impacto emocional de um final poderoso só existe se houver uma transformação genuína ao longo do caminho.

E quando falamos de finais, os jogos nos ensinam que um desfecho memorável não significa necessariamente um final feliz ou trágico, mas um final que parece merecido. Em Red Dead Redemption 2, Arthur Morgan encontra seu destino de forma inevitável, mas o peso emocional do final vem de tudo o que o jogador viveu ao longo da jornada. Da mesma forma, um livro precisa construir seu final com coerência, sem reviravoltas forçadas ou soluções convenientes. O leitor deve sentir que chegou ao desfecho porque a história o levou até ali de maneira orgânica. E o mais importante: um bom final deve deixar algo para o leitor levar consigo. Pode ser uma reflexão, uma emoção intensa, uma cena que fica na memória. Mas nunca deve ser algo vazio.

Escrever é um processo de imersão, e os videogames mostram que a melhor forma de envolver alguém em uma história é fazê-lo sentir que faz parte dela. No final das contas, não importa se estamos escrevendo um romance, um conto ou um roteiro para um jogo. O que importa é criar uma experiência que ressoe com quem lê. Para isso, é preciso pensar como um designer de jogos: estruturar a história com propósito, dar agência aos personagens, criar momentos de respiro e impacto, e garantir que cada escolha narrativa contribua para um todo coeso e significativo.

Agora, para garantir que tudo o que foi discutido ao longo deste livro possa ser aplicado de maneira prática, aqui está um checklist definitivo para escritores que querem criar histórias realmente envolventes:

Crie personagens que tomam decisões – Um protagonista deve ser o motor da história, não apenas um espectador.

Evite exposição desnecessária – Mostre, não conte. Permita que o leitor descubra o mundo da história por meio das ações dos personagens.

Construa ritmo narrativo – Alterne entre momentos de alta tensão e pausas emocionais para manter o leitor engajado.

Dê peso às escolhas e consequências – Tudo que acontece na história deve ter impacto real no desenvolvimento dos personagens e na trama.

Crie progressão emocional – O protagonista deve crescer ao longo da história, e o leitor deve sentir essa evolução.

Use o silêncio e o subtexto – Muitas vezes, o que não é dito é mais poderoso do que longos monólogos explicativos.

Trabalhe com antecipação – Construa mistérios e promessas narrativas que fazem o leitor querer continuar.

Garanta um final que pareça merecido – O desfecho deve ser a culminação lógica dos eventos anteriores, sem soluções forçadas.

Pense como um designer de experiência – Assim como em um jogo, cada parte da história deve servir para manter o leitor imerso.

A literatura não precisa reinventar a roda para se tornar mais envolvente. Os videogames já mostraram quais são os princípios de uma narrativa que captura a atenção e cria impacto emocional. A única coisa que um escritor precisa fazer é prestar atenção e aprender com eles. No final, escrever é como jogar um grande RPG: você cria o mundo, constrói os personagens, define os desafios e dá ao leitor uma jornada inesquecível. A diferença é que, em vez de um joystick, você tem palavras. E quando usadas da forma certa, elas podem ser tão imersivas quanto qualquer jogo épico já criado.

JAMES MCSILL 21 de fevereiro de 2025
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