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Vamos falar de autopublicação?

Vamos Falar de Autopublicação?

A publicação de livros tem se tornado uma prática cada vez mais disseminada e globalizada. Em Portugal, cerca de 42 mil livros são publicados anualmente. No Brasil, o volume é comparável ao do Reino Unido, que publica aproximadamente 200 mil títulos por ano. Já nos Estados Unidos, a escala é ainda mais impressionante: mais de 1 milhão de livros são lançados a cada ano, um número cinco vezes maior do que o registrado no Reino Unido.

Essa quantidade massiva de livros publicados nos faz refletir: será que estamos a publicar livros demais? A sensação de excesso no mercado literário não é algo novo. Já no Antigo Testamento, em Eclesiastes, lemos: "De fazer muitos livros, não há fim." O que, há mais de 2 mil anos, já indicava que a abundância de livros poderia ser uma preocupação. Mas, nos dias de hoje, esse fenômeno ganhou uma nova força, com o advento de uma prática que transformou a forma como muitos autores chegam ao mercado: a autopublicação.

O Novo Protagonismo dos Autores

A ascensão da autopublicação tem gerado diferentes reações. Para alguns, trata-se de uma desorganização do mercado editorial, uma espécie de descontrole na produção literária. No entanto, outros veem isso como uma revolução benéfica, uma democratização da publicação e uma oportunidade de equilibrar a relação histórica entre autores e editoras.

Antes da era digital, o processo de publicação era um privilégio de poucos. Para publicar um livro, o autor precisava passar pela triagem de uma editora, que, em muitos casos, determinava se uma obra seria ou não publicada. No entanto, com plataformas como o Kindle Direct Publishing (KDP) da Amazon, qualquer pessoa pode publicar seu livro de forma rápida, com custo reduzido e alcançar um público global. Embora nem todos os livros autopublicados sejam obras-primas, o fato é que muitos best-sellers começaram de forma independente. Autores como Colleen Hoover e Sarah J. Maas são bons exemplos disso, pois começaram suas carreiras na autopublicação e, hoje, têm milhões de leitores ao redor do mundo.

Essa mudança fez com que a autopublicação deixasse de ser vista apenas como uma opção para escritores amadores e passasse a ser considerada uma estratégia válida para autores de sucesso. O que antes era um mercado restrito a alguns, agora se tornou acessível a todos, com uma maior flexibilidade e controle criativo para os autores.

Quantidade Não É Sinônimo de Futilidade

É comum ouvir a crítica de que a autopublicação resulta em um mar de livros de baixa qualidade. No entanto, os dados revelam uma realidade bem diferente. Em 2023, 2,6 milhões de livros foram autopublicados em todo o mundo, um número impressionante, mas que não deve ser encarado como sinônimo de mediocridade. Na verdade, essa quantidade reflete diversidade e acesso. Mais importante ainda, uma pesquisa realizada pela Alliance of Independent Authors, em 2023, mostrou que quase metade dos autores autopublicados ganham mais de US$ 20 mil por ano com suas obras, enquanto 28% ganham mais de US$ 50 mil — um valor bem superior à média de muitos autores tradicionais.

Este dado é fundamental, pois prova que autores autopublicados estão encontrando formas sustentáveis e lucrativas de viver da escrita, sem depender do aval de uma editora tradicional. Esses números indicam que a autopublicação está cada vez mais longe de ser uma forma de "último recurso" para escritores desconhecidos. Pelo contrário, ela tem se consolidado como uma alternativa viável e rentável para aqueles que desejam empreender no mundo literário.

A Crise na Publicação Tradicional

Enquanto isso, o setor editorial tradicional enfrenta desafios próprios. Os adiantamentos para novos autores, por exemplo, estão cada vez mais baixos. No Reino Unido, a média para um autor estreante fica entre £5.000 e £10.000, o que é significativamente menor do que em décadas passadas. Além disso, a maioria dos autores que publica por editoras tradicionais nunca recebe royalties adicionais após o adiantamento. Ou seja, o valor que o autor recebe é muitas vezes um pagamento único, que não condiz com o potencial de venda de seus livros.

Mais grave ainda, segundo a Authors' Licensing and Collecting Society, a renda anual de autores profissionais caiu cerca de 60% desde 2006, situando-se agora em torno de £7.000 por ano. Para muitos escritores, mesmo aqueles com bons currículos e livros bem recebidos pela crítica, o mercado editorial tradicional não é tão lucrativo quanto parece. Ross Raisin, um romancista britânico aclamado, revelou a frustração de lançar seu quarto romance, que recebeu boas críticas, mas foi recusado pelas grandes redes de livrarias por falta de espaço nas prateleiras.

A grande crítica ao sistema editorial tradicional é que ele prioriza os "best-sellers" e ignora os livros que, apesar de bem escritos e com grande potencial, não têm os mesmos recursos de marketing ou um grande nome por trás. As editoras, muitas vezes, concentram os seus orçamentos de marketing nas obras com adiantamentos elevados, deixando o resto da produção literária à margem.

Autopublicar É Empreender

Autopublicar não é uma tarefa simples. Ao contrário do que muitos pensam, autores autopublicados precisam ir muito além de apenas escrever bem. Eles devem entender o processo de publicação digital, dominar plataformas como o Kindle Direct Publishing, criar suas próprias capas, gerenciar redes sociais, desenvolver estratégias de marketing e, mais importante, ter uma mentalidade empreendedora.

A autopublicação exige que o escritor se torne, também, um empresário da sua obra. O autor precisa estar disposto a investir tempo e esforço para entender como seu trabalho pode ser apresentado ao mundo de forma eficaz. E, no final das contas, uma das maiores vantagens é o controle. O autor tem total liberdade criativa para decidir sobre o conteúdo, o design e a distribuição. Ao contrário do modelo tradicional, em que as editoras decidem a capa, o título e até o conteúdo de um livro, a autopublicação oferece uma liberdade quase total.

Outro ponto positivo é que o autor fica com uma fatia maior dos lucros. Em modelos tradicionais, os royalties variam entre 7% e 15% do preço de capa, enquanto no modelo de autopublicação, o autor pode ficar com 70% a 80% dos lucros. Além disso, ele pode ajustar seu preço, experimentar diferentes estratégias e até adaptar a obra com base no feedback dos leitores.

Enfim...

Sim, há muitos livros sendo publicados a cada ano. Mas isso não é, necessariamente, um problema. O volume elevado de publicações não significa que o mercado esteja saturado, mas que novas vozes estão sendo ouvidas, vozes que antes estavam fora do alcance das grandes editoras. A autopublicação deu espaço para mulheres, minorias, pessoas da classe trabalhadora e novos autores que não se encaixam no molde tradicional do mercado editorial.

A autopublicação pode não ser para todos. Ela exige comprometimento, dedicação e, muitas vezes, uma boa dose de coragem. No entanto, para muitos escritores, ela representa a primeira oportunidade real de viver da escrita. E isso não é um capricho distante, mas sim um caminho concreto, acessível e, mais importante, sustentável.

E tu? Já pensaste em contar a tua história?

JAMES MCSILL 23 de março de 2025
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